Afrotopia é uma obra que tem como objectivo, por admissão do seu próprio autor, o economista senegalês Felwine Sarr, criar uma utopia activa que parte do continente africano, capaz de superar, por um lado, o afro-pessimismo e, por outro, também de fugir de uma recente narrativa afro-otimista que vê o continente africano como um novo espaço de oportunidades e futuro.
Afrotopia é um projecto: o de promover uma reflexão endógena à volta do futuro político, económico, social e cultural de uma África capaz de ser metáfora do seu projecto de futuro. Trata-se de um processo de construção intelectual que se baseia numa necessária e renovada obra de conceptualização do paradigma teórico, através do qual olhar para um continente que foi durante séculos uma espécie de fantasma que ajudou a construir uma complexa relação com o Ocidente apenas através de um paradigma de alteridade não inclusiva. Faz parte dessa afro-utopia a retoma de alguns dos pressupostos caros aos pais da négritude, passando pela lição de Édouard Glissant e do pensamento anti-colonial, encarados como a necessidade de um regresso a uma reflexão de dimensão continental enquanto possível contra-narrativa do facto colonial que levou, vice-versa, a uma fragmentação forçada da geografia africana também do ponto de vista cultural.
No livro o autor demonstra como a independência formal dos países africanos, mesmo sendo um primeiro e importante passo, fundamental e imprescindível também, não teve os resultados esperados e que hoje assistimos, regra geral, a um empasse devido, em primeiro lugar, a uma ideia de desenvolvimento aplicada através de soluções prêt-à-porter, que pouco ou nada tem a ver com a sócio-cultura das jovens nações independentes. A questão da promoção de uma nova ideia de desenvolvimento, portanto, torna-se, por Felwine Sarr, uma questão também cultural.
No entender do autor, não se pode prescindir de uma atenta observação da realidade onde as pessoas vivem todos os dias, e por isso mesmo, uma verdadeira mudança de passo apenas se poderá realizar tentando sair dos padrões de crescimento económico impostos por governos incapazes de dialogar com a cultura das geografias de que são expressão. Muitos dos temas sobre os quais Sarr se debruça no livro, como por exemplo a complexa relação entre tradição e modernidade ou sobre a ideia de progresso e a complexa tensão entre o local e o global e a ideia de colonial e de pós.
O fil rouge que me parece atravessar este ensaio, escrito de uma forma que abre para uma construção textual quase literária, é uma premente necessidade de re-situar os termos do debate dentro de coordenadas que partam de uma valorização do património vivencial de quem habita o continente. Para perseguir este objectivo, indica-nos Sarr, é necessário descolonizar o olhar dos que deveriam participar no projecto de construção de novas formas de cidadania no continente, a partir das quais vai ser possível definir estratégias e caminhos que possam garantir um mais amplo acesso aos recursos para todos os cidadãos, colocando assim o continente africano num diálogo finalmente não subalterno a nível planetário.