A África que, apesar do desespero, procura soluções

Francisco Sena Santos

Nasceu em Lisboa, em 1957. É jornalista, professor na Escola Superior de Comunicação Social e cronista na Antena1 da RTP, onde é autor da crónica diária Um Dia no Mundo. É ainda co-autor dos programas semanais Antes da Revolução e Escala do Clima, todos no serviço público de rádio e web.

Todos constamos, por evidência, que o planeta está na fase mais violenta de conflitos armados ativos, com derramamento de sangue, destas últimas décadas. Provavelmente, desde a Segunda Guerra Mundial. O Conflict Data Program, de Uppsala, na Suécia, estima que foram mais de 238 mil as mortes, só no ano 2022, causadas pela violência em diversas regiões do mundo de forças militares ou gangues.

África tem sempre muito negligenciada pelos grandes grupos de notícias. É, no entanto, o continente mais sofredor com essa violência armada e a que decorre das condições naturais agravadas pela crise climática.

Há uma imensa região africana em estado de emergência: vai, numa extensa faixa horizontal, da costa atlântica na barriga mais ocidental do continente ao mar Vermelho, e é devido acrescentar-lhe uma outra faixa, esta vertical, que se estende da Somália à região dos Grandes Lagos, com raras exceções, como o Quénia.

Seis países da África ocidental e central sofreram nos últimos quatro anos 11 tentativas de golpe de estado, oito das quais consumadas.

O Níger, o Burkina Faso e o Mali são três desses países, onde as juntas militares que tomaram o poder tratam de imediatamente abafar qualquer voz crítica que se levante.  Quanto mais os meses passam, mais as prisões se enchem de opositores que ousaram manifestar-se em modo que irrita os golpistas. São países onde a liberdade de expressão está encerrada – as rádios e o digital eram as últimas tribunas por onde passava a denúncia crítica da realidade, mas os novos mandantes arranjam modo para as apagar, nem que seja através da eliminação de que as alimentava.

Todas estas vastas regiões são lugares dramáticos de êxodo, com multiplicação de campos de refugiados, muito deles improvisados, precários, com aglomerados de cabanas de lona e a madeira local que arranjam.

A guerra é a causa principal e mais urgente desses êxodos. O conflito do Tigray, a guerra mais sangrenta deste século XXI, com (cálculo da União Europeia) mais de 600 mil civis mortos entre 2020 e 2022, apesar do acordo de cessar-fogo há ano e meio, não é coisa do passado e as ameaças e os sofrimentos subsistem. Este conflito etíope eclodiu em novembro de 2020, quando o engenheiro informático, militar e primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, ano e meio depois de ter sido distinguido com o Nobel da Paz pela pacificação do país, abriu uma guerra contra a Frente de Libertação do Povo do Tigray, dominante no norte do país. Seguiram-se quase dois anos de massacres, documentados ela ONU, com o regime de Abiy Ahmed a impedir a entrada de ajuda humanitária. A documentação da ONU regista milhares de histórias de abuso e arrepiante violência sexual. Estima-se que só na Etiópia estejam 26 milhões de pessoas carentes de assistência humanitária. A maior parte com fome e sede, quase todas com falta de cuidados de saúde.

O jihadismo é o último fator importando a agravar o sofrimento em vastas artes destas regiões de África.

A crise climática agrava seriamente o desespero das populações, com disputa pelos muito escassos recursos hídricos e esgotamento dos pastos. Junta-se o disparado crescimento demográfico com falta de qualquer esperança de vida melhor na região. Assim avança a atração por várias filiais de grupos jihadistas ou a entrada, na ânsia de esperança, num outro inferno sobre a terra, as rotas da emigração, com travessia do Sahel, à mercê de gangues armados e traficantes de seres humanos, com o desejo principal de chegada à borda sul do Mediterrâneo para ali começar outra aventura, a travessia do mar que é fronteira da Europa.

Apesar de tanta adversidade, há quem trate de melhorar as condições para viver na sua terra africana. O arquiteto Diébédo Francis Kéré (Gando, Burkina Faso, 1965), distinguido em 2022 com o prémio Pritzker, o mais prestigiado prémio de arquitetura, a par de projetar edifícios admirados em cidades do mundo mais desenvolvido, tratou de cuidar lugares como aquele onde nasceu e começa a transformar a arquitetura do continente africano. Constrói casas e outros edifícios sustentáveis, com regresso às raízes, recurso a matéria prima de cada lugar (o barro é a base mais frequente) e envolvimento das pessoas de cada comunidade. Kéré: cultiva uma estratégia: pensar com toda a gente antes de começar a fazer.

Essa transformação começou com a construção de uma escola na terra natal, Gando, no Burkina. É uma escola construída com base em barro, com atualização dos modos tradicionais de construir e aplicação de soluções bioclimáticas como o teto elevado com aberturas para ventilar a atmosfera do lugar exposto a temperaturas caniculares. Também no Burkina, em Léo, levantou uma clínica, feita com ladrilho e terra compactada. É um edifício modular que tem sido continuamente ampliado.

Várias outras construções estão a avançar com este mesmo modelo de Kéré em outros lugares de África: cuidando de pensar com envolvimento de todos, antes de começar a fazer.

É assim que alguns lugares de África estão na vanguarda mundial da adaptação à emergência climática.