A inovação e assistência humanitária. O caso das transferências monetárias

Vitor Serrano

Agrónomo com mestrado em gestão de terras e águas (Reino Unido). Dez anos de academia em Angola iniciaram uma carreira profissional continuada depois em programas de desenvolvimento e, na última década em assistência humanitária. Esta actividade em cooperação internacional teve lugar em vários continentes e múltiplos países trabalhando para governos, Nações Unidas e UE.

I. INOVAÇÃO E ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA

 

Introdução

A erradicação da pobreza e a promoção da prosperidade requerem mudanças substanciais nas abordagens tradicionais, com o Secretário-Geral das Nações Unidas a referir recentemente que sem inovação, uma que sirva todos e não apenas uns poucos, não é possível ultrapassar os desafios actuais. A inovação é hoje uma área específica nos sectores do desenvolvimento e humanitário, combinando tecnologias com abordagens centradas no utilizador e mudanças comportamentais. O reconhecimento do seu papel crucial transformador e acelerador de mudanças no sistema humanitário traduziu-se na inclusão da inovação como uma das 4 temáticas na Cimeira Mundial Humanitária CMH (2016).

Sendo o desenvolvimento e as crises as duas faces da mesma moeda é sob a perspectiva humanitária que neste artigo se aborda a temática da inovação. Na primeira parte refere-se o conceito e evolução das inovações humanitárias e algumas iniciativas significativas. As transferências monetárias, uma modalidade cada vez mais frequente nas respostas às necessidades das populações afectadas por crises humanitárias, é tratada na segunda parte, particularizando o trabalho duma agência doadora e as respostas a duas crises nas quais o autor esteve directa e localmente envolvido.

Conceito e importância das inovações humanitárias

Considera-se inovar como fazer algo de forma diferente com o objectivo de o melhorar. A Inovação Humanitária (IH) é um processo iterativo e dinâmico que identifica, ajusta e difunde ideias para melhorar a acção humanitária. Nem sempre é fácil distinguir práticas inovadoras daquelas que fazem parte duma boa programação; uma nova prática usada por uma organização pode ser por ela considerada uma inovação, enquanto os que já a aplicam a consideram uma prática corrente.

É frequente referirem-se os 4 Ps da inovação: produtos, processos, procedimentos e paradigma, os dois últimos normalmente conduzindo a mudanças mais transformadoras e radicais, enquanto as primeiras são mais progressivas. Alguns processos inovadores podem envolver vários tipos de inovação, e.g. um novo software para monitorizar tratamentos da desnutrição aguda no âmbito duma inovação de paradigma mais ampla.

A crescente diversidade, complexidade e duração de crises, e a escassez de fundos requerem respostas humanitárias adequadas – eficientes, eficazes e de qualidade – satisfazendo necessidades crescentes e vencendo novas barreiras. Uma IH relevante deve resultar em conhecimento novo e consolidado, em soluções melhoradas e numa adopção generalizada respondendo efectivamente às necessidades das pessoas. Existem outros três critérios que podem não ser relevantes para todas as inovações: a inclusão das pessoas afectadas, a eficiência e o impacto.

Evolução das IH e exemplos

As IH têm ganhado um maior espaço na agenda política humanitária com múltiplas iniciativas e investimentos crescentes para o seu desenvolvimento e aplicação a nível operacional, tanto de agências específicas como de parcerias entre elas.

A inovação não é um fenómeno novo no sistema humanitário e, ou por necessidades sentidas ou por oportunidades tecnológicas, há uma tradição e uma comprovada capacidade em desenvolver respostas programáticas e operacionais novas. Porém, há várias inconsistências, e.g. ao nível do financiamento e boa utilização, resultando num número ainda modesto de inovações relevantes. O que tem vindo a mudar hoje é a importância crescente que organizações e o próprio sector humanitário têm dado à inovação em termos de preocupação estratégica, tendo sido determinantes avaliações e estudos realizados, e.g. os da rede ALNAP[1], e o engajamento de doadores.

Uma das iniciativas mais relevantes foi a criação em 2011 do Fundo de Inovação Humanitária (FIH), o 1º mecanismo transversal sectorial de apoio à IH, que financiou mais de 130 projetos sobretudo na saúde, mas também em nutrição, água, prevenção de crises e uso de TM.

A “H2H – Humanitarian to Humanitarian”[2] é outra iniciativa duma dinâmica rede de 30 organizações humanitárias de pequena e média dimensão, que no seu trabalho quotidiano identificam oportunidades para novas soluções e serviços que possibilitem uma melhor prestação humanitária.

Unidades para a Inovação, muito activas, foram criadas em algumas agências das Nações Unidas, na Cruz Vermelha e também em ONGs.

Apesar da falta de regulação e talvez da desproporcionada atenção recebida, os drones têm tido um uso exponencial na acção humanitária. Outros exemplos: uso de impressoras 3D no terreno, micro-seguros para pequenos negócios, redes de tradução (e.g. “Words of Relief” dos Tradutores Sem Fronteiras usado durante a crise do Ébola); inclusão económica dos refugiados (Universidade de Oxford).  

Avaliação e perspectivas

Apesar do aumento significativo na atenção e financiamento das IH (que é insuficiente e desequilibrado), continua a ser limitado o entendimento de como inovar com êxito, i.e. eficiente e eficazmente. A questão é saber se os produtos gerados pelos “laboratórios de inovação” habitualmente distantes do terreno de operações, dos parceiros locais e sobretudos das populações afectadas, respondem às necessidades concretas de tais utilizadores e populações.

A questão é saber se os produtos gerados pelos “laboratórios de inovação” habitualmente distantes do terreno de operações, dos parceiros locais e sobretudos das populações afectadas, respondem às necessidades concretas de tais utilizadores e populações

As poucas avaliações das IH realizadas recomendam a necessidade duma constante monitorização e geração de evidências, dum efectivo envolvimento dos utilizadores e em particular das pessoas afectadas e também dos actores não-humanitários, nomeadamente o sector privado.

A escassez de tecnologias (que tendem a atrair financiamentos exagerados) não é a causa principal da maior parte dos problemas no espaço humanitário e é pouco provável que mais tecnologia seja a solução. A inovação não é uma panaceia e tem os seus limites. Enquanto factor de mudança do sistema humanitário é “apenas” gradual, e este requer sobretudo e com urgência reformas profundas e sistémicas.

 

II. O CASO DAS TRANSFERÊNCIAS MONETÁRIAS

 

Conceito

As Transferências Monetárias (TM) são assistência humanitária em efetivo e que inclui um conjunto variado de modalidades, i.e. aquilo que é transferido para o recebedor: cupões a ser trocados por produtos ou serviços específicos e até efetivo, transferências monetárias condicionadas aos beneficiários que cumpram com determinado requisito, como o dinheiro-por-trabalho (“cash for work” CFW), e transferências não restringidas, não condicionais e com propósitos múltiplos, ou seja as TMPM (Transferências Monetárias com Propósitos Múltiplos).

As TM não são uma prática nova, mas são qualificadas como inovação dado o seu uso sistemático e crescente, a sua permanente modernização fazendo uso de tecnologias digitais e novos processos financeiros e o seu enorme potencial de expansão e de transformação do próprio sistema humanitário. As TM, principalmente as TMPM, têm permitido respostas humanitárias mais dignas, eficientes e eficazes, uma vez que a abordagem centra-se nas pessoas, as quais decidem o uso dos fundos de acordo com as suas prioridades.

As TM e os cupões foram usados no passado em múltiplas situações humanitárias, entre elas em Portugal na segunda metade dos anos 70 em apoio aos milhares dos denominados “retornados”. Através do então criado Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), o governo prestou uma assistência muito diversificada, nomeadamente monetária e em cupões alimentares a estudantes universitários. Durante uns meses o autor deste artigo foi um deles.

Já em 1991, Amartya Sen (“Hunger and Public Action”) recomendava o uso das TM como forma das famílias pobres terem acesso económico aos alimentos. Não sendo um sector, mas um instrumento, tais transferências têm uma longa história na assistência, mas só na última década se tornaram uma modalidade aceite pelo sistema humanitário. Também não são uma panaceia e embora comprovadamente apropriadas à maior parte dos contextos humanitários, a sua adequação depende de vários factores.

A desconfiança inicial e cautela sobre os programas de TM e o escrutínio a que foram submetidos por muitos doadores e organizações refrearam o seu desenvolvimento e obrigaram a melhor programar e bem-fazer. Isto tem implicado a criação dum corpo crescente de evidências positivas e o desenvolvimento e uso sistemático de novas ferramentas, que igualmente têm beneficiado os projectos baseados na assistência em espécie. Estes, devido a raízes históricas, continuam a ser maioritários, mas continuará a baixar a sua quota actual de quase 90%, como resultado da análise sistemática da sua eficácia e eficiência recomendada pelo debate em curso sobre a reforma humanitária.

Estudos vários evidenciam que as TM têm um custo mais baixo e são mais flexíveis, e que na maior parte dos casos o seu uso, em vez da assistência em espécie, terá permitido aumentar o número de pessoas assistidas sem custos adicionais. Em todo o caso, a maior parte das respostas às crises é uma combinação de modalidades variável no espaço e no tempo.

Alguns dados das TM

A expansão das TM tem sido rápida se bem que muito aquém do potencial e comprovadas vantagens. Embora não seja fácil quantificar com precisão o volume global das TM, devido à falta de detalhe dos dados das várias agências[3], de projectos-piloto em 2004, estima-se que em 2016 as TM totalizaram 2,8 mil milhões de dólares, i.e. 10.3% do total da ajuda humanitária, tendo aumentado de 40% e 100% em comparação com 2015 e 2014, respectivamente (CaLP, 2018). Embora crescente o número de organizações e governos usando as TM numa diversidade de contextos, o crescimento foi desigual com o WFP e UNHCR[4] a concentrarem mais de dois terços do total.

Os principais doadores e agências comprometeram-se, na CMH, a aumentar o uso das TM para pelo menos 25% do total da ajuda humanitária em 2020, estando alguns a considerá-las, principalmente as TMPM, como prioritárias nas respostas às crises humanitárias.

Iniciativas no uso das TM – A maior parte das agências humanitárias activas em TM produziram os seus próprios manuais e juntaram-se com outras em iniciativas de alcance global: 

CaLP (“Cash Learning Parnership”) – a maior e uma das mais activas parcerias globais de actores humanitários -150 instituições e mais de 5.000 profissionais- activos nos múltiplos aspectos das TM. Gerou um notável conjunto de produtos e tem sido um catalisador da transformação positiva do sector. 

ELAN (The Electronic Cash Transfer Learning Action) – criada em 2015 pela Mercy Corps com o apoio da MasterCard é uma rede de actores – sector privado (>40), agências humanitárias (>60) e doadores, que procuram melhorar a eficácia das TM através do uso de tecnologias apropriadas.

CashCap – é uma iniciativa interagências gerido pelo Conselho Norueguês para os Refugiados que desde 2016 mobiliza profissionais para apoiar a coordenação, programação, capacitação e execução de TM em crises humanitárias, a nível regional e de país.

C4C “Cash for Change” (WFP) – iniciativa que criou vários produtos e contribuiu entre 2010 e 2014 para o aumento de 3 para 27% das operações TM e cupões do WFP.

Expansão e coordenação

As tendências nas políticas, crises cada vez mais complexas e persistentes, novas tecnologias com custos decrescentes (e.g. pagamentos digitais), concentração de pessoas afectadas nas zonas urbanas com necessidades mais diversificadas, integração dos mercados, recursos financeiros flexíveis e as comprovadas vantagens e lições aprendidas têm criado um ambiente favorável para a expansão das TM em volume, geograficamente e em todos os tipos de crises. Uma maior eficiência (fundamental num contexto de recursos insuficientes), o dar às pessoas possibilidade de escolha o que traz dignidade e sentido de normalidade e, o permitir ajustar-se a contextos em permanente evolução, são claras vantagens das TM. Os mitos iniciais, e.g. questões de segurança e a apropriação e uso indevido dos fundos, provaram não ser verdadeiros.

O uso crescente das TM exige uma liderança forte dos governos, uma programação eficaz e a formalização de uma coordenação global, que evite duplicações e tensões entre as agências. A falta dum mandato para a coordenação das TM na arquitectura humanitária incluindo um engajamento efectivo com os governos nacionais contrapartes e a associada falta de recursos específicos têm estado a limitar o potencial das TMPM como modalidade eficiente e eficaz de assistência humanitária.

O papel dos doadores. O caso específico da ECHO.

Os doadores têm um papel crucial na promoção e evolução das TM, devendo destacar-se o DFID e a ECHO[5] que têm liderado várias iniciativas essenciais. Entre elas está a criação em 2015 dum High Level Panel (HLM) para analisar o potencial transformativo das TM nas respostas às crises humanitárias e na arquitectura do sistema humanitário. É constituído por líderes da esfera humanitária, do desenvolvimento, do sector privado (incluindo empresas tecnológicas) e universidades. Um dos seus produtos foram 12 recomendações sobre a expansão e uso sistemático em grande escala das TM.

Segundo o HLP, o uso das TM em locais adequados, sem restrições e via pagamentos electrónicos resulta em: i) alinhamento do sistema humanitário com o que as pessoas necessitam e não com os mandatos sectoriais; ii) maior transparência, evidenciando quanta ajuda chega às populações; iii) redução dos custos, incrementando o valor dos fundos; iv) apoio aos produtores e mercados locais; v) ganho do apoio das populações locais à intervenção humanitária; vi) aumento da rapidez e flexibilidade da resposta; vii) incremento da inclusão financeira ao conectar as pessoas com os sistemas de pagamentos, mas sobretudo proporciona às populações a possibilidade de escolher e melhor controlar as suas vidas.

ECHO e TM – Além de financiar inúmeros projectos, o apoio e liderança da ECHO traduz-se por iniciativas múltiplas, e.g. uma política para o uso das TM e cupões (2013)[6], guias operacionais e notas técnicas bem como o (co)financiamento de estudos e reforço de capacidades[7]. Em 2016 uma avaliação externa ao uso das várias modalidades de assistência concluiu que em contextos comparáveis, as TM são mais eficientes que outras opções principalmente se em maior escala, e que as eficácias maiores são das TMPM. Recomenda igualmente a integração das transferências humanitárias com as redes de proteção social, aproveitando a vantagem comparativa da ECHO de poder influenciar o apoio aos sistemas nacionais através de outros instrumentos da UE.

A este propósito, o Conselho Europeu endossou em 2015 os “10 Princípios Comuns para as TMPM” que constituem uma orientação para todos os Estados Membros da UE, para a própria CE e todos os parceiros operacionais, servindo ainda de instrumento de advocacia junto de outros doadores.

O maior projecto de sempre financiado pela ECHO é a “Rede de Protecção Social de Emergência” executado pelo PAM e pelo Crescente Vermelho da Turquia desde finais de 2016, que assiste 1,2 milhões de refugiados Sírios na Turquia com transferências mensais de cerca de 30 euros por pessoa.

Com o objectivo de aumentar a eficiência e eficácia dos projectos de média e grande dimensão, baseados em TMPM, em finais de 2017 a ECHO aprovou orientações específicas para os parceiros, mas vários ainda mantêm algumas reservas, dado o esquema proposto de romper com as abordagens tradicionais. 

Nem sempre as TM são a melhor opção, caso de mercados com fraca capacidade de resposta, ou são mesmo possíveis, como quando os governos não o permitem, embora tais casos sejam cada vez mais raros e temporários. As TM devem também ser complementadas pelo fornecimento de bens públicos que os mercados não podem prover, tal como protecção, saneamento ou imunização. O uso das TM não significa que as agências humanitárias desistam dos papéis de proximidade, presença e testemunho do sofrimento das pessoas afectadas pelas crises; na verdade ao tornar a resposta mais eficiente as agências têm de facto esse papel.

Um balanço e perspectivas

As TMPM têm mostrado a sua adequação a: i) situações de transição da urgência à reabilitação e desenvolvimento, i.e. o denominado nexus humanitário – desenvolvimento; ii) articularem-se com sistemas nacionais de protecção social – cada vez mais frequentes no combate à pobreza – que, como acontece na Etiópia e no Quénia, são expandidos em algumas das situações de crise para servir como canais temporários de assistência, dispensando acções humanitárias específicas e recorrentes; um formato que desafia as tradicionais respostas organizadas por sectores[8]; iii) conectarem-se com programas de prevenção de desastres e gestão de riscos, actuando como amortecedor que permite aos agregados familiares satisfazerem as suas necessidades básicas enquanto reestabelecem os seus meios de vida; e iv) assistirem populações pobres participantes em programas de microcrédito que após um desastre não conseguem cumprir o plano de reembolso.

Uma avaliação de projectos baseados em TM durante 15 anos destaca impactos a nível individual e do agregado familiar na pobreza, escolarização, uso dos serviços, poupanças e investimentos e assim na autonomia financeira. As TM contribuíram ainda para o empoderamento das mulheres, designadamente em termos de escolhas – e.g. casamento, fertilidade e abuso físico, impactam positivamente no seu bem-estar e oportunidades, em particular no emprego e educação, na redução do trabalho infantil, nos investimentos produtivos enquanto chefes de família e na redução do uso de estratégias de sobrevivência negativas. A nível de país, as TM podem ter um efeito multiplicador na economia local, e.g. Líbano onde cada dólar gasto pelos refugiados gerou 2,13 dólares de PIB para a economia libanesa.

Ao transferir a decisão da escolha para quem recebe, as TMPM não se integram bem no actual arranjo institucional do sistema humanitário, organizado em clusters sectoriais, causando problemas de “territorialidade” e coordenação entre agências com mandatos muito específicos (ONU). Isto não favorece o desejado crescimento desta modalidade, que desafia o “modelo de negócio” da ajuda humanitária, que continuará a reflectir os seus próprios problemas estruturais no uso das TM, a não ser que se tomem colectivamente iniciativas concretas de mudança, resumidas nas 12 recomendações do HLP. Um exemplo é o do Líbano em 2014, em que mais de 30 agências usaram TM e cupões para 14 diferentes objectivos.

As TM constituem por si só uma agenda multi-actores e multissectorial pelo que todos os envolvidos têm a responsabilidade de melhorar o sistema cumprindo com os compromissos assumidos, incluindo governos, com políticas adequadas. O cenário actual dum conjunto crescente de organizações humanitárias efectuando TM com diferentes objectivos continuará a evoluir consistentemente para programas de maior escala e duração com financiamentos previsíveis respondendo às necessidades básicas das pessoas. A questão hoje já não é se esta modalidade de ajuda é apropriada ou não, mas sim como é que as organizações humanitárias, doadores e governos podem utilizá-la melhor. O HLP propõe que as TM sejam o padrão em relação ao qual outras formas de assistência se devem comparar e que a pergunta sistemática deve ser “Porque não TM? E se agora não, então quando?”

Refugiados Sírios na Jordânia e deslocados na Nigéria

Na Jordânia a maioria dos 660.000 refugiados Sírios registados oficialmente está no país há já alguns anos, vivendo 80% em áreas (sub)urbanas, ao lado de cidadãos jordanos e os restantes em campos. Para além da sua massiva assistência, no quadro do “Jordan Response Plan” o Governo da Jordânia coordena a ajuda aos refugiados prestada por um grupo numeroso de doadores e agências internacionais tradicionais em parceria com organizações locais. 

Com excepção dos “e-cupões” (electrónicos) usados pelos cerca de meio milhão de refugiados apoiados pelo WFP para adquirir alimentos e obter efectivo e que é o maior programa, a maior parte da restante assistência é efectuada via TMPM mensais continuadas, casos dos programas da UNHCR e da UNICEF e da maior parte das ONGs principais. Em simultâneo, várias agências implementam TM condicionais de duração variável para a educação, saúde, proteção, e apoio para o inverno. Os pagamentos digitais são a forma mais comum de transferência usando cartões ou não (leitura da íris nos multibancos). Nos programas das ONGs, 30% das transferências são obrigatoriamente destinadas a famílias jordanas pobres. O grupo de trabalho “Necessidades Básicas” faz a seleção das famílias baseada na sua vulnerabilidade e coordena as TM, vitais para pagar rendas e outras facturas bem como para reduzir estratégias de sobrevivência penalizantes. Estão em curso complementaridades e transições entre as TM, os rendimentos gerados pela actividade laboral[9] e a potencial inclusão dos casos mais vulneráveis (idosos e deficientes) nos sistemas de proteção social nacionais. São particularmente relevantes os fundos especiais activados por alguns doadores, caso do Madad, um “trust fund” da UE para os refugiados Sírios nos vários países vizinhos.   

n Nove anos de conflito no NE da Nigéria causaram mais de 2 milhões de deslocados e para 2018 estima-se que 7,7 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária, em espécie e em efectivo. A viabilidade das TM é variável sendo determinada pela capacidade dos mercados se aprovisionarem e pela preferência dos refugiados por efectivo (que inclui razões de segurança). Em todo o caso, estudos recentes (UNHCR e REACH) confirmaram que em geral as TM são adequadas para satisfazer as necessidades básicas, incluindo em algumas das áreas mais recentemente libertadas.

Segundo a OCHA, em 2017 o valor total das TM e cupões foi ca de 98 milhões de dólares americanos, a quase totalidade incondicionais[10] apoiando uma média mensal de 120,000 pessoas, a maioria refugiados mas também residentes e retornados. As 20 agências (quase todas priorizando a assistência alimentar) usam principalmente cupões electrónicos mas também distribuem dinheiro “vivo”. 

 

Bibliografia

Barbelet, V et all (2018). The Jordan Compact. Lessons learned and implications for the future. ODI, Policy Briefing, February 2018. London

CaLP (2018) – State of World’s Cash Report. Cash transfer programming in humanitarian aid. Geneva, Cash Learning Partnership. February 2018

ECHO (2013) –  Cash and Vouchers: Increasing efficiency and effectiveness across all sectors. Thematic Policy Document No. 3. Brussels.

HARVEY, P and BAILEY, S (2011) – Cash transfer programming in emergencies. CaLP. HPN Good Practice Review 11, June 2011.

OBRECHT, A et al (2017) – Evaluating Humanitarian Innovation. HIP – ALNAP Working paper. London

ODI (2015) – Doing cash differently. How cash transfers can transform humanitarian aid. Report of the High Level Panel on Humanitarian Cash Transfer. ODI and Center for Global Development, Sep 2015

ODI (2017) – Cash transfers for refugees. An opportunity to bridge the gap between humanitarian assistance and social protection

SCRIVEN, K (2016) – Humanitarian Innovation and the art of possible. In Humanitarian Exchange Number 66 of April 2016. Special Feature on Humanitarian Innovation. HPN, London

WB (2016) -. Cash Transfers in Humanitarian Contexts: Strategic Note. World Bank, Washington.

 

[1] “Active Learning Network for Accountability and Performance”.

[2] O termo é inspirado no “B2B –Business to Business” do sector privado.

[3] Nomeadamente pelo “Financial Tracking System” da OCHA (Organization for the Coordination of Humanitarian Aid).

[4] WFP: World Food Program. UNHCR: United Nations High Commission for Refugees.

[5] DFID: Department For International Development (Reino Unido). ECHO (European Commission Humanitarian Office), mais correctamente designada por DG ECHO (Directorate-General for European Civil Protection and Humanitarian Aid Operations).

[6] De acordo com a sua política, ECHO não advoga por uma modalidade específica de assistência, ou seja em espécie, TM ou cupões, apoiando a modalidade mais eficiente e eficaz e mais adaptada ao contexto.

[7] O “ERC” (Enhanced Response Capacity).

[8] Onde não existem, os projectos humanitários com TM (e.g. Oxfam e Concern no Quénia) podem ser um ponto de partida para abordagens de proteção social a longo prazo influenciando políticas governamentais.

[9] No quadro do “Jordan Compact” acordado com os doadores no início de 2016, ca. 100.000 refugiados receberam vistos de trabalho

[10] O valor será muito maior porque as acções do CICV não estão incluídas.