CNAD como farol das artes de Cabo Verde para o mundo

Matilde Dias

Natural da cidade da Praia, Cabo Verde. Jornalista, produtora e apresentadora na Televisão de Cabo Verde. É editora e apresentadora do programa cultural “Revista”. Foi galardoada com o Prémio Nacional de Jornalismo. Colabora com a produtora cabo-verdiana Kori.

A centenária Casa do Senador Vera-Cruz, na extremidade oriental da Praça Nova do Mindelo, sempre foi uma presença sóbria no centro histórico da cidade. O palacete dos finais do século 19 acolheu o CNA – Centro Nacional do Artesanato em 1983. 40 anos depois, já como CNAD – Centro Nacional de Arte, artesanato e Design, a identidade visual ganhou traços de ousadia.

Nas obras de ampliação ergueu-se um segundo edifício, construído de raiz, com uma fachada formada por 8800 tampas de bidons, com uma altura de cinco pisos. Uma nova constelação multicolor que se projeta na cidade desde Julho deste ano, com a assinatura dos arquitectos Moreno Castellano e Eloisa Ramos.

O projecto, distinguido com o Prémio Nacional de Arquitectura, espelha a reconfiguração da missão do CNA – de centro de investigação, formação e produção de artesanato, na década de 1980, amplia o seu âmbito para o design e a arte contemporânea. É o maior centro cultural do país, em termos de espaço físico e valências: quatro galerias para exposições, uma biblioteca, um museu alimentado por um acervo com mais de 1700 peças, um centro de formação, um centro de investigação, além de loja, cafeteria e um pátio que se converte num palco a céu aberto.

Na inauguração da maior infraestrutura cultural do governo de Ulisses Correia e Silva desde o primeiro mandato, em 2016, atribuiu- -se ao CNAD a ambiciosa missão de ser um espaço de vanguarda e um farol das artes de Cabo Verde para o mundo. Politicamente, o novo CNAD é um trunfo para o ministro da cultura. Desde 2019, Abraão Vicente projectou o centro como o maior investimento da sua geração no sector da cultura. Por isso, resistiu à pressão da crise económica da pandemia do coronavírus, que obrigou a cortes nas despesas públicas, e às críticas pelo custo das obras, que passou de um orçamento inicial de 450 mil euros para mais de um milhão de euros.

Depois da inauguração, a agenda do CNAD tinha como prioridade a montagem da programação para 2023 e a definição da sua equipa curatorial. No entanto, a pompa e a circunstância da abertura deu lugar à incerteza. Em Setembro, o director, Irlando Ferreira, foi repentinamente exonerado do cargo, numa altura em que tinha sobre a mesa os planos de concretização do projecto do novo CNAD. Foi substituído por Artur Marçal, um professor e mestre em educação artística que assume, pela primeira vez, a gestão de um centro cultural.

As questões em torno do CNAD continuam por responder. Falta conhecer o projecto curatorial, as linhas mestras da programação e, por ser uma instituição pública financiada pelo Orçamento de Estado, como será equacionada a sua sustentabilidade? Até agora, a certeza é que o CNAD tem orçamento para funcionar em 2023, com verba inscrita no Orçamento de Estado. É um sinal um sinal positivo, num cenário de corte orçamental em todos os sectores.

Desde a abertura, o CNAD tem recebido um fluxo regular de visitantes, sobretudo turistas. Para visitar, oferece quatro exposições, patentes desde a inauguração. Três das quatro galerias homenageiam o núcleo fundador do Centro Nacional do Artesanato – Manuel Figueira, o primeiro director do CNA, Luísa Queirós, já falecida, e Bela Duarte, há vários anos retirada da vida pública. São os mentores da era de ouro do artesanato cabo-verdiano, que resgatou do silenciamento técnicas ancestrais que corriam o risco de desaparecer.

A história da revitalização do artesanato cabo-verdiano é contada em “Criação cabo-verdiana: Percursos”, com curadoria de Adélia Borges e Irlando Ferreira. A exposição está patente na Galeria Manuel Figueira. A linha cronológica parte da construção do palacete do Senador Vera-Cruz em 1890 e toca os concursos de design lançados pelo CNAD em 2017. Pelo meio, está a Narrativas criação das primeiras peças de tapeçaria no CNA, na década de 1980. Os ecos desta época, marcada pelo resgate da tecelagem cabo-verdiana e a introdução de novas técnicas, está patente na exposição “Fios”, na Galeria Luísa Queirós, com obras de três gerações de criadores. Neste diálogo, esteve o pintor Alex “Xand” da Silva, falecido em 2019. A sua obra participa na instalação / performance “O Idiota”, da bailarina e coreógrafa Marlene Freitas, apresentada na abertura da Galeria Bela Duarte. As exposições devem encerrar em Fevereiro de 2023.

O desafio que se segue é a realização do maior evento do CNAD, realizado anualmente em Dezembro. Esta é a primeira edição da URDI – Feira do Artesanato e Design de Cabo Verde, sob liderança do novo diretor. Durante uma semana, o certame congregaem Mindelo cerca de 200 artesãos, artistas, designers, educadores e investigadores. Além das exposições e residência criativas, a URDI também promove ciclos de debate sobre o sector do artesanato. Nesta edição, o olhar está centrado no processo de profissionalização dos artesãos e a certificação do artesanato Made in Cabo Verde, que está a ser implementado há cerca de cinco anos.