International Aid and the Making of a Better World – Reflexive practice

Rosalind Eyben Routledge, 2014

Carmeliza Rosário

É doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Bergen, Noruega, onde desenvolve pesquisa sobre a memória de mulheres de poder e autoridade na Zambézia. Tem também desenvolvido pesquisa sobre pobreza, género e desenvolvimento. Actualmente, em associação com a Kaleidoscópio, integra o grupo de trabalho que explora a intercecção entre tecnologia, inovação e produção de conhecimento.

No seu livro International Aid and the Making of a Better World, Rosalind Eyben propõe-se, através da sua experiência pessoal, reflectir de modo crítico sobre as práticas de ajuda e cooperação internacional. A formulação do título sugere que o único fim para a cooperação internacional é o de melhorar o mundo. [A1] Como originária de um país beneficiário de apoio, o meu entendimento é que nem sempre o apoio internacional leva a um mundo melhor ou tem sequer essa intenção. Ao invés disso, é sentido como uma imposição de dinâmica perversa e insensível às perspectivas daqueles a quem se propõe ajudar. Como tal, foi com suspeição que iniciei a leitura desta obra, temendo um excesso de naivitë por parte da autora.

O argumento principal é que “a prática reflexiva é a fundação dessa contribuição[A2] .” Em outras palavras, quão mais consciente o profissional da ajuda internacional é das suas intenções e propósitos, bem como do seu contexto histórico pessoal e da sua profissão, melhor este pode contribuir para “a mudança que quer ver no mundo.” Ao usar a sua experiência pessoal, Eyben pretende “explorar a interacção entre, por um lado, o contexto histórico mais amplo que formam os propósitos e perspectivas dos profissionais [da ajuda internacional], e por outro lado, as acções que têm tentado influenciar de que forma o mundo irá mudar.” A autora clarifica que a sua intenção não é discutir se as intervenções de ajuda internacional são eficazes, e declara-se crítica a práticas das agências de desenvolvimento.

Eyben tem três décadas de experiência como profissional[A3]  da ajuda internacional, formação de base em antropologia e uma carreira como académica do desenvolvimento. A autora atribui a raiz da sua relação com a justiça social e a sua vontade de mudar o mundo para o melhor, ao passado de esquerda activista e sindical dos seus pais. Ela menciona apenas superficialmente a sua posição de privilégio e poder como europeia, e cidadã de uma antiga colónia. Esta é, possivelmente a posição que lhe confere mais desconforto, que Eyben tenta contrabalançar com o reforço de uma educação centrada no combate à desigualdade. Apesar do esforço honesto de Eyben, permaneci com a sensação que a autora tem um certo complexo de salvador, dentro de um transmorfismo perverso continuador da missão civilizadora colonial. Num claro exemplo, ela celebra ter uma melhor consciência do seu privilégio a ajudou a “ajudar mulheres a tornarem-se fortes,” no que Syed e Ali (2011) aludem ser o “fardo da mulher branca”, de que Eyden não parecer ter consciência ou introduzir no seu olhar crítico.

Eyden também não é suficientemente crítica à abordagem reflexiva, excluindo todo o corpo literário que lhe é crítico (Englund & Leach, 2000; Jacobs-Huey, 2002; Kahn, 2001). Bourdieu, uma fonte importante da abordagem reflexiva (Bourdieu, 1986; Bourdieu & Wacquant, 1992) é apenas mencionado superficialmente. Uma audiência mais profissional que académica desculpa estas limitações. Por outro lado, o objecto de Eyden é ela própria e seus pares, quando a crítica à abordagem reflexiva concernem a representação do “outro”.

A obra corre ao longo de nove capítulos discutindo diferentes tópicos, e seguindo uma ordem cronológica, dos anos 60 aos dias de hoje. Ao longo da sua obra, Eyben apresenta a história da ajuda internacional; discute as implicações da interacção entre a vida pessoal e profissional; discute a forma como o enquadramento institucional limita a forma do profissional de ajuda internacional ver o mundo; fala das mudanças operadas nos profissionais de desenvolvimento social, em função de mudanças de políticas de ajuda internacional; confronta-se com a perspectiva do “outro” sobre si; advoga por um impacto pessoal maior, através do uso da abordagem reflexiva; e reflecte sobre as limitações contemporâneas de contribuir para uma real mudança.

Eyben insiste que o exercício de reflexividade pode ajudar o profissional de ajuda internacional a realizar o seu trabalho com mais impacto e contribuir para um mundo melhor, através de consciência histórica, reconhecimento das relações de poder, abertura para o diálogo e aceitação das contradições do sector. A autora termina descrevendo uma visita ao Burundi em 2012, o país onde conduziu o seu trabalho de campo como estudante e onde perdeu amigos no massacre de 1972. Ela reconhece o potencial de re-eclosão de violência, mas descreve o país como “uma democracia, e uma na qual as mulheres são participantes activas.” Nem 3 anos após essa visita, a democracia Burundesa está reemersa em crise e violência. Este exemplo deixa-me céptica sobre a capacidade de mesmo o profissional mais consciente ter a capacidade de entender em pleno o contexto a que se propõe “ajudar.” A maior limitação é a rede reduzida de actores locais a que tem acesso, aos diálogos honestos que poderá conduzir e a dependência excessiva de actores políticos em sociedades profundamente desiguais.

No geral, a obra segue um fio de pensamento claro, se simplista na sua linearidade. A linguagem é acessível, propositadamente pedagógica, ainda que escamoteando a complexidade do contexto e da diversidade da cooperação internacional. A obra não será de interesse para disciplinas clássicas como a Antropologia ou Sociologia. No entanto, tem valor para profissionais e académicos do desenvolvimento, especialmente em início de carreira. Não será a melhor obra que li sobre o tema. Saio da sua leitura com demasiado distanciamento, e sem ter conseguido estabelecer um elo significativo com o conteúdo. Entretanto, interrogo-me se não será devido à minha própria posição crítica e preconceito em relação à indústria do desenvolvimento. Neste ponto, a autora consegue a sua intenção, não de mudar a minha opinião, mas plantar uma semente para futura reflexão.

 

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Referências

Bourdieu, P. (1986). L ’ illusion biographique. Actes de La Recherche En Sciences Sociales, 62–63, 69–72.

Bourdieu, P., & Wacquant, L. J. D. (1992). An Invitation to Reflexive Sociology. University of Chicago Press.

Englund, H., & Leach, J. (2000). Ethnography and the Meta-Narratives of Modernity. Current Anthropology, 41(2), 225–248. Retrieved from

Jacobs-Huey, L. (2002). The Natives Are Gazing and Talking Back: Reviewing the Problematics of Positionality, Voice, and Accountability among “Native” Anthropologists. American Anthropologist, 104(3), 791–804.

Kahn, J. S. (2001). Anthropology and Modernity. Current Anthropology, 42(5), 651–680.

Syed, J., & Ali, F. (2011). The White Woman’s Burden: from colonial civilisation to Third World development. Third World Quarterly, 32(2), 349–365.