Mais de 20 % da APD é considerada inflaccionada, segundo relatório Aid Watch da CONCORD Europe

Foi divulgado ontem o relatório europeu Aid Watch 2023 da CONCORD (a plataforma europeia de ONG) dedicado à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) dos países europeus. O relatório defende que os esforços de cooperação internacional podem ajudar os países a resistir ao impacto dos choques e dos desafios mundiais da actualidade e, ao mesmo tempo, construir um mundo mais sustentável e equitativo, se forem aplicados da melhor forma.

Os dados disponibilizados revelam que 22,1% da APD europeia não está a cumprir os critérios mais básicos para ser classificada como tal, o que representa um aumento considerável em relação aos níveis do ano passado. Esta situação explica-se sobretudo pelo aumento elevado dos custos do apoio aos refugiados dentro da UE, resultante da guerra na Ucrânia, que representou mais de 13,9 mil milhões de euros.

Outra componente significativa que inflaciona os níveis de Ajuda está relacionada com a sobrecontabilização dos empréstimos APD, que aumentou artificialmente os níveis de APD da UE em 1,7 mil milhões de euros. Além disso, também a contabilização dos custos imputados aos estudantes dos países parceiros, o alívio da dívida e, em certa medida, os instrumentos do sector privado (ISP) ajudaram a inflaccionar os níveis de APD.

A análise à APD portuguesa no relatório

Em relação a Portugal, a APD em 2022 aumentou 17,5%, ultrapassando os 0,2% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) pela primeira vez numa década. Este aumento baseia-se na atribuição de financiamento adicional às instituições multilaterais, no apoio orçamental aos países parceiros e no apoio aos esforços humanitários na Ucrânia.

Apesar de permanecer abaixo da média da UE e longe de atingir a meta de 0,7%, as OSC em Portugal congratularam-se com o facto de não ter havido reafectações orçamentais para financiar operações relacionadas com a crise ucraniana, bem como com o compromisso de duplicar o orçamento do Camões, I.P. em 2023.

Na sequência da publicação do Peer Review do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em Abril 2022, o Governo apresentou uma versão preliminar da nova Estratégia para a Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030), tendo realizado consultas públicas e adoptado oficialmente a mesma em Dezembro. 

A Plataforma Portuguesa das ONGD congratulou-se com a integração da maioria das suas recomendações no texto final (especialmente a proposta de estabelecer um roteiro para aumentar as dotações da APD), bem como com a sua ênfase nos Direitos Humanos e na Igualdade de Género.

Registaram-se alguns progressos no aumento das capacidades de coordenação. Em 2023, tornou-se obrigatório para as autoridades públicas comunicar o seu orçamento de cooperação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Uma vez que, até à data, não foram divulgados quaisquer dados, é importante partilhar informações sobre este mecanismo, a fim de garantir a transparência.

Em 2022, o apoio às atividades da sociedade civil atingiu 11,25 milhões de euros. Embora reconhecendo o esforço de Portugal para aumentar os montantes destinados a apoiar a sociedade civil (está previsto um novo aumento significativo em 2023), devem ser tomadas medidas para salvaguardar o direito de iniciativa das ONG. 

As recomendações para o governo português são, nomeadamente:

  • Acompanhar a aplicação da ECP 2030, em especial as medidas relativas aos compromissos em matéria de APD, através da criação de um comité que inclua representantes da sociedade civil e comunicar regularmente as conclusões ao Parlamento.
  • Adotar uma Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento ambiciosa que se baseie nas realizações dos anos anteriores e abra caminho à criação de um orçamento específico que aumente o financiamento para a execução das suas prioridades.
  • Promover uma participação democrática significativa, criando um quadro obrigatório para a consulta da sociedade civil durante os processos de elaboração de políticas e um mecanismo para integrar representantes das OSC nas delegações oficiais.
  • Consolidar o apoio à sociedade civil através da aplicação das recomendações da OCDE sobre a revisão das modalidades de financiamento de Portugal com base num diálogo significativo com as organizações da sociedade civil.

Conclusões gerais do relatório

As conclusões do relatório AidWatch mostram que a APD continua a responder, em grande medida, a interesses nacionais e geopolíticos, em vez de apoiarem as prioridades dos países parceiros. Além disso, o apoio a sectores-chave que poderiam colmatar o fosso das desigualdades nos países, como a igualdade entre homens e mulheres ou o apoio às organizações da sociedade civil, está a dar sinais de estagnação.

Algumas das sugestões para reduzir a inflação de APD passam por:

– aumentar rapidamente os níveis de APD, a fim de assegurar, pelo menos, os 0,7% RNB/APD acordados até 2030;

– reformar o atual sistema de APD e excluir as rubricas que atualmente inflacionam os valores da ajuda (custos dos refugiados nos doadores, custos imputados aos estudantes, redução da dívida e sobrecontabilização dos empréstimos APD);

– e  reforçar a transparência na comunicação dos instrumentos do sector privado, de modo a que a concessionalidade possa ser corretamente avaliada.

De forma a melhorar a contribuição da APD para o desenvolvimento económico e a prosperidade, as sugestões incluem:

– o  aumento de apoio às organizações da sociedade civil (OSC), com especial incidência nas OSC dos países parceiros;

– aumentar também o apoio às organizações de defesa dos direitos das mulheres, em especial o financiamento direto, de base, a longo prazo e flexível;

– incluir um compromisso explícito de redução das desigualdades nos países parceiros, através da adoção e aplicação coerente de instrumentos com o objetivo de combater as desigualdades; 

– e assegurar que a afetação geográfica da APD seja feita de acordo com as necessidades e os objectivos dos países parceiros e não com as prioridades internas da UE.

 

Aceda ao relatório completo aqui.