Como as alterações climáticas estão a afectar a pesca artesanal em S. Tomé e Príncipe

Jorge Carvalho

Natural de Santo Amaro, S. Tomé e Príncipe. É presidente do Conselho de Administração da MARAPA, uma ONG santomense especializada no apoio à pesca artesanal nacional, e presidente da Rede da Sociedade Civil para Boa Governação. É mestre em Desenvolvimento Rural.

A costa da República Democrática de São Tomé e Príncipe tem sido muito fustigada com a pesca irresponsável, quase sempre nos mesmos lugares, devido à incapacidade dos pescadores se munirem de meios de navegação mais adequadas e capacidades técnicas.

Diversas pesquisas científicas sobre aquecimento global e mudanças climáticas advertem sobre as graves ameaças que os modelos de desenvolvimento impõem ao conjunto da sociedade e ao nosso planeta de um modo geral. A cada dia que passa surpreendemo-nos com os sinais emitidos pela terra indicando que é preciso construir outras formas de relação com os recursos naturais que possibilite a construção de uma sociedade humana, sustentável e igualitária. Vivemos um momento de profunda crise ecológica.

Na realidade, esta forma de se relacionar com a natureza, que tem sido responsável pela crise ecológica, é típica de um modelo económico que privilegia os interesses financeiros acima dos sociais e ambientais e permite que interesses políticos e económicos sejam preservados, em detrimento da sustentabilidade social, económica e ambiental.

As Comunidades Pesqueiras em São Tomé e Príncipe podem ser definidas como uma região dinâmica, de interacção entre ambiente terrestre e ambiente marinho. Tal interacção proporciona um ambiente atractivo à actividade humana de exploração dos recursos naturais, resultando em actividades diversificadas.

Os pescadores artesanais em São Tomé e Príncipe têm, de maneira específica, percebido que, nos últimos anos, tem havido profundas alterações ambientais em seus territórios tradicionais. Com o fenómeno das mudanças climáticas, relembra-se a necessidade de respeitarmos o planeta.

O aquecimento dos oceanos gera impactos significativos nos ecossistemas marinhos e na ocorrência de eventos atmosféricos extremos globalmente. Estudo publicado pela Revista científica Advances in Atmospheric Sciences mostra que o aumento da temperatura dos oceanos atingiu um índice recorde no ano passado.

De acordo com a pesquisa, mais de 90 % do calor é absorvido pelos oceanos. O aumento da temperatura provoca a redução de oxigénio dissolvido na água, essencial para o metabolismo dos organismos aquáticos. Como consequência, muitas espécies deslocam-se em direcção a águas mais frias, mudando o seu padrão natural de distribuição. As evidências desses efeitos vêm sendo colectadas por mais de 40 anos pelo renomado cientista pesqueiro Daniel Paily.

Uma mudança que podemos notar é que os peixes se estão movendo em direcção aos pólos. Isso ocorre porque a água está aquecendo e estão procurando a temperatura adequada. Os peixes estão saindo do cinturão intertropical, mas não estão sendo substituídos convenientemente.

Essa movimentação pode vir a ter consequências drásticas. Cada um desses peixes que se move é uma pesca potencial, de modo que a pesca vai diminuir, especialmente nos trópicos, se medidas de mitigação não forem tomadas.

Concluímos que a situação pesqueira é ainda mais alarmante porque não sabemos e não saberemos a real causa desse cenário, uma vez que as pesquisas em regiões tropicais são muito escassas.

Os pescadores artesanais em São Tomé e Príncipe são responsáveis pelo abastecimento de pescado ao mercado nacional (aproximadamente 80% de proteína animal consumida no país) e desenvolveram ao longo da sua história uma relação íntima com a natureza.

A costa da República Democrática de São Tomé e Príncipe (RDSTP) tem sido muito fustigada com a pesca irresponsável, quase sempre nos mesmos lugares, devido à incapacidade dos pescadores se munirem de meios de navegação mais adequadas e capacidades técnicas. De igual modo a extracção de areia e a extracção de pedras (basalto) nas zonas costeiras têm sido práticas danosas a este tipo de ecossistema.

O país vem registando ondas gigantes, enchentes dos rios, superiores aos máximos registrados nas últimas décadas. Algumas das graves consequências tem sido a perda de território (4 % de massa territorial, nos últimos 20 anos) e a subida das águas do mar com consequências gravíssimas para a costa e consequentemente problemas com espaço para o parqueamento das canoas, perda de casas e muitos instrumentos de trabalho. Com a problemática da diminuição dos recursos marinhos perto da costa os pescadores tendencialmente deslocam-se a distâncias inesperadas, cerca de 60 milhas náuticas, com embarcações não vocacionadas para o efeito, correndo riscos com as suas integridades físicas e materiais.

ACEP

O país vem registando ondas gigantes, enchentes dos rios, superiores aos máximos registrados nas últimas décadas. Algumas das graves consequências tem
sido a perda de território (4 % de massa territorial, nos últimos 20 anos) e a subida das águas do mar com consequências gravíssimas para a costa.

Assim, o Governo da RDSTP, a ONG MARAPA, e outros parceiros de desenvolvimento pretendem contribuir para a mitigação do impacto das alterações climáticas no sector pesqueiro em S. Tomé e Príncipe, promovendo a instalação de recifes artificiais nas zonas costeiras empobrecidas ao norte da ilha de S. Tomé, a construção e instalação de dispositivos de concentração de peixe, a criação de Áreas Marinhas Protegidas Cogeridas, e através também de formações aos pescadores sobre a segurança no mar e pesca responsável, dentre outras. No quadro do projecto WACA “Projecto de Resiliência das Áreas Costeiras da África Ocidental”, pretende-se dotar o país de algumas infraestruturas costeiras (diques de protecção, quebra-ondas, espaços para parqueamento das embarcações, muros de protecção costeira,…) e criação de zonas de expansão segura nas comunidades de risco.