A Eurodad é uma rede de 60 organizações da sociedade civil europeia que trabalha as questões do financiamento do desenvolvimento. A rede procura influenciar, junto dos governos europeus e de foro de decisão internacional, a implementação de um conjunto de mudanças sistémicas na atual arquitetura económica e financeira.
Este relatório de 2021 procura explicar a ligação entre a acumulação de dívida em países em desenvolvimento e a atual emergência climática. O documento divide-se em 9 capítulos, que procuram responder a questões concretas sobre a relação entre estes dois fenómenos:
Qual é a ligação entre dívida e clima?
Segundo as autoras, os países mais vulneráveis às alterações climáticas são obrigados a contrair dívida para financiar a adaptação e a mitigação climática bem como a reconstrução, no rescaldo de eventos climáticos extremos. Por outro lado, estes países têm de suportar elevados custos de financiamento nos mercados devido às suas vulnerabilidades climáticas.
Quais são os países mais afetados pelas alterações climáticas e pelo sobre-endividamento?
As perdas económicas em percentagem do PIB, derivadas das alterações climáticas e do aumento de eventos climáticos extremos, são mais significativas em países de rendimento baixo e médio. Atualmente, os países de rendimento médio vulneráveis às alterações climáticas não têm acesso a empréstimos concessionais ou a esquemas de alívio da dívida. Para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas de 1992, são os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e os Países Menos Avançados aqueles que mais necessitam de financiamento climático.
O que significa “financiamento climático”?
A expressão refere-se ao financiamento internacional de apoio à resposta dos países às alterações climáticas, nomeadamente ao nível da mitigação e da adaptação.
Por que é que os países do Norte Global devem disponibilizar financiamento climático aos países do Sul Global?
Vários académicos e movimentos sociais têm utilizado a expressão “dívida climática”, referindo-se à dívida histórica das economias mais poluentes face aos países em desenvolvimento. O conceito de dívida climática relaciona-se com dinâmicas coloniais e neocoloniais e pressupõe uma maior transferência de recursos do Norte Global para o Sul Global, a par de uma restituição ecológica, do fim do modelo económico extrativista e da transição para modelos de produção, distribuição e consumo mais sustentáveis.
Porque é que o atual financiamento climático é problemático no contexto da crise da dívida?
De acordo com a OCDE, entre 2013 e 2019, dois terços do financiamento climático público foi disponibilizado através de empréstimos e não de subvenções, o que exacerba a crise da dívida dos países em desenvolvimento e coloca o ónus financeiro do combate às alterações climáticas nos países mais vulneráveis.
Qual o impacto das alterações climáticas e da dívida na igualdade de género e nos direitos das mulheres?
As mulheres e as crianças são desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas e pelas medidas de austeridade aplicadas no rescaldo de uma crise da dívida. As mulheres são normalmente responsáveis pela produção de alimentos e de energia e pela recolha de água. Todas estas práticas são afetadas por eventos climáticos extremos e pela eliminação ou redução de subsídios públicos nos domínios da alimentação e da energia. Os desastres climáticos agravam igualmente o trabalho doméstico não remunerado das mulheres nas suas casas e comunidades e exacerbam a violência de género.
Qual o papel dos governos e das instituições internacionais na resposta às crises da dívida e da emergência climática?
O relatório enumera várias recomendações dirigidas aos governos e às instituições internacionais, entre as quais destacamos:
– a importância de financiamento climático não gerador de dívida, desembolsado maioritariamente através de subvenções;
– a criação de um mecanismo automático de suspensão dos pagamentos da dívida e da sua restruturação, envolvendo credores públicos e privados, no rescaldo de eventos climáticos extremos;
– o envolvimento dos cidadãos e das organizações da sociedade civil no desenho e na implementação de políticas públicas, que garantam uma transição justa e inclusiva.
O relatório reúne um conjunto de análises conduzidas por instituições internacionais, organizações da sociedade civil, especialistas e académicos e que apontam para a necessidade de olhar para os dois fenómenos de forma cada vez mais interligada. Os países do Norte Global têm a responsabilidade histórica de apoiar financeiramente os países do Sul Global na resposta às crises climática e da dívida. No entanto, os resultados do COP26 são pouco promissores e marcados pela falta de acesso da sociedade civil e a excessiva influência do lobby dos combustíveis fósseis. O COP27, que irá decorrer fisicamente pela primeira vez num país em desenvolvimento desde 2016, o Egito, deverá centrar-se nas necessidades de financiamento dos países em desenvolvimento, no que diz respeito não só à mitigação e adaptação climáticas, mas também às perdas e danos causados por eventos climáticos extremos.