Ação Climática e Desenvolvimento: (in)coerências das políticas

Patrícia Magalhães Ferreira

Consultora nas temáticas do Desenvolvimento Global e Cooperação. Doutorada e Mestre em Estudos Africanos (ISCTE-IUL) e licenciada em Relações Internacionais (ISCSP), tem trabalhado com inúmeras organizações nacionais e internacionais na realização de estudos, avaliações de projetos, relatórios e investigações que contribuam para uma ação e tomada de decisão mais informada e eficaz.

A (in)sustentabilidade dos modelos de desenvolvimento prosseguidos tem grande impacto nas alterações climáticas, e os esforços de combate às mudanças do clima também contribuem e influenciam as perspetivas de desenvolvimento e as políticas nessa matéria.

Introdução e contexto global

A crise climática, que é parte de uma crise de sustentabilidade mais alargada, constitui não apenas um desafio ambiental, mas uma emergência humanitária e de desenvolvimento com proporções globais. Os países menos avançados (PMA), maioritariamente situados em África, estão entre os que menos contribuíram para as alterações climáticas (Busch, 2015; Oxfam, 2020) e que mais sentem os seus efeitos (ONU, 2019; WEF, 2015; IEP, 2020), acrescendo terem menores capacidades – financeiras, institucionais, tecnológicas, humanas – para formular e implementar respostas que lhes permitam colmatar os efeitos das alterações climáticas nas suas economias e sociedades.

No presente século, os impactos das alterações climáticas tornarão a redução da pobreza mais difícil, reforçarão fenómenos de marginalização de certos grupos e prolongarão ou criarão bolsas de pobreza e novas desigualdades (IPCC, 2014).  As alterações climáticas têm tido efeitos evidentes no agravamento das desigualdades de género (McCarthy, 2020; PE, 2018), contribuído para a insegurança alimentar (IEP, 2020) e para o agravamento das emergências e crises humanitárias e, juntamente com os conflitos violentos, estão entre as principais causas de deslocamentos forçados e migrações (IDMC, 2020; IEP, 2020). Constituem, portanto, constituem, um desafio de desenvolvimento e de direitos humanos, na medida em que afetam o direito à alimentação, à saúde, à habitação, ou aos meios básicos de subsistência.

Neste sentido, as investigações existentes apontam para uma interligação multidimensional, complexa e crescente entre alterações climáticas e os processos de desenvolvimento, num sistema de causalidade mútua. Ao nível das políticas, a (in)sustentabilidade dos modelos de desenvolvimento prosseguidos tem grande impacto nas alterações climáticas, e os esforços de combate às mudanças do clima também contribuem e influenciam as perspetivas de desenvolvimento e as políticas nessa matéria.

Os efeitos cumulativos da crise provocada pela pandemia de COVID-19 podem, por um lado, fazer descurar a necessidade de resposta à emergência climática, pelo enfoque na urgência da recuperação económica, levando a um hiato de financiamento climático ainda maior (Quevedo, Peters e Cao, 2020). Por outro lado, representam uma oportunidade para a transformação estrutural, no sentido de uma transição assente na economia verde e na ecologia, com evidentes benefícios de desenvolvimento para as sociedades (GCA, 2020; PNUA, 2020; WEF, 2020). Os pacotes de recuperação das principais economias parecem descurar a questão da transição ecológica (Climate Action Tracker, 2020; VividEconomics, 2020; Evans e Gabbatiss, 2020), e mesmo no caso em que estão mais alinhados com objetivos de luta contra as alterações climáticas – como é o caso da Comissão Europeia (1) – as medidas de recuperação estão quase exclusivamente nos desafios internos e não globais (GCA, 2020).

A União Europeia (UE) pretende ser líder mundial no combate às alterações climáticas, sendo o bloco regional com metas climáticas mais ambiciosas e tendo colocado o crescimento verde no âmago da visão do desenvolvimento para o espaço europeu, através do Pacto Ecológico Europeu aprovado no final de 2019 (CE, 2019) e desenvolvido por meio de um conjunto de instrumentos legislativos e financeiros (CE, 2020). No entanto, estes instrumentos são na sua maioria omissos quanto aos impactos nos países em desenvolvimento.

Este artigo analisa alguns aspetos da relação da política climática com a política de desenvolvimento da UE no plano externo, na perspetiva da coerência das políticas para o desenvolvimento (CPD) (2).

 

Coerência dos financiamentos

Financiamento climático e ajuda ao desenvolvimento

O Acordo de Paris estabelece o princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas e respetivas capacidades” (art.º 2, nº 2), o que significa que os países com maiores responsabilidades nas alterações climáticas devem contribuir com uma parte correspondente para reduzir as emissões e também para apoiar os países com menores capacidades a impulsionar a sua transformação estrutural e a serem capazes de se adaptarem aos impactos das alterações climáticas (UE, 2015).

O financiamento da ação climática é fundamental para a realização de vários objetivos de desenvolvimento (3), embora se denotem vários fatores de desadequação.

Em primeiro lugar, a nível global, o enfoque está ainda desproporcionalmente centrado na mitigação, descurando a adaptação, do reforço da resiliência e da resposta aos crescentes desastres climáticos.  Apenas 21% dos fundos são direcionados para ajudarem as comunidades a adaptarem-se às alterações climáticas e a construírem a sua resiliência a choques externos (OCDE, 2020), áreas de enorme importância para os países com maiores vulnerabilidades (4). Por exemplo, os financiamentos do Banco Europeu de Investimentos (BEI) e do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) para a adaptação em países em desenvolvimento representaram apenas 7,7% e 11,8%, respetivamente (Ahairwe e Bilal, 2019). A isto acresce a falta de acordo internacional sobre compensações de perdas e danos decorrentes dos efeitos adversos das alterações climáticas (5).

ACEP

A maior parte dos financiamentos internacionais nesta área diz respeito a empréstimos e não subvenções, o que pode contribuir para o aumento da dependência e da dívida externa em países de rendimentos baixos e médios, já com grande pressão orçamental

Segundo, a maior parte dos financiamentos internacionais nesta área diz respeito a empréstimos e não subvenções, o que pode contribuir para o aumento da dependência e da dívida externa em países de rendimentos baixos e médios, já com grande pressão orçamental, agravada ainda mais pela pandemia. Entre 2013 e 2018, o peso dos empréstimos nos financiamentos públicos para o clima aumentou de 52% para 74% do total, sendo que a maioria são empréstimos não-concessionais (OCDE, 2020). Isto é agravado pelo facto de as taxas de juro e os pagamentos aos credores não serem deduzidos aos dados dos fluxos financeiros dos países doadores, o que aponta para um empolamento artificial dos números do financiamento climático. Além disso, persistem questões da transparência no reporte dos financiamentos climáticos, incluindo casos em que se contabiliza o valor total dos projetos financiados, quando só parte diz respeito ao combate às alterações climáticas (Oxfam, 2020), para além de não existem regras que impeçam uma dupla contabilização dos mesmos apoios através de canais da UNFCCC e fora deste quadro.

Terceiro, em termos geográficos, quase 70% dos financiamentos climáticos dirige-se a países de rendimento médio, sendo que os países que menos contribuíram para as alterações climáticas e que são dos mais afetados pelos seus impactos, como os PMA e os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, receberam apenas, entre 2013 e 2018, respetivamente 14% e 2% dos fundos (OCDE, 2020). Estão ainda por conhecer quais os efeitos da pandemia nestes financiamentos, mas o maior enfoque na emergência de saúde pública nos países mais desenvolvidos e uma análise dos pacotes de recuperação existentes aponta para menor disponibilidade de financiamento, à qual acresce maior dificuldade de os países mais pobres acederem a recursos para continuarem os investimentos “verdes”, devido ao endividamento.

Esta análise sobre a adequação dos financiamentos climáticos suscita a questão do papel que a ajuda ao desenvolvimento pode ter, quer como catalisadora de outros fundos, quer no contributo direto para ações de promoção do desenvolvimento sustentável e da resiliência nos países em desenvolvimento.

Neste âmbito, pode questionar-se se os financiamentos climáticos devem ser provenientes dos orçamentos da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) (6), principalmente porque o Acordo de Paris afirma que os fundos para a mitigação e adaptação devem ser “recursos novos e adicionais”. Nos últimos anos, os fundos da APD direcionados para fins climáticos tem vindo a aumentar, mas o fluxo geral da APD tem permanecido relativamente estável, o que indicia um enfoque maior da ajuda neste setor em detrimento de fundos para ajuda ao desenvolvimento centrados na redução da pobreza, no desenvolvimento humano e nos setores sociais (Kenny, 2020). Assim, este financiamento não é novo e adicional, podendo estar a implicar uma reafectação ou desvio de fundos de outros setores (Dupraz-Dobias, 2020).

Outra questão relevante é a coerência da ajuda ao desenvolvimento com as metas climáticas, sendo importante que todos financiamentos e projetos apoiados não tenham impactos nocivos no ambiente nem sejam contrários aos objetivos do Acordo de Paris (OCDE, 2019). O financiamento de centrais elétricas com base em fontes fósseis é um exemplo que cumpre os critérios para ser considerado APD, mas que prejudica os objetivos climáticos. O apoio orçamental a países que centram o seu desenvolvimento económico em combustíveis fósseis pode ser outra incoerência. É, necessário, portanto, aplicar critérios de afetação da ajuda totalmente consistentes com o desenvolvimento sustentável.

No Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, o Instrumento para a Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional (IVDCI), é o instrumento de ação externa e principal via para a cooperação com países terceiros e para implementar os compromissos internacionais no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e do Acordo de Paris. Neste quadro, acordou-se que 25% dos fundos devem contribuir para objetivos climáticos, embora o Parlamento Europeu tenha proposto 45%.

Várias incertezas permanecem quanto à aplicação do IVDCI nos próximos anos. O enfoque nos objetivos de política externa da UE, particularmente na segurança, defesa e migrações, bem como a priorização de uma aplicação geográfica dos fundos (mais do que temática), pode significar um subfinanciamento dos países com maiores necessidades de apoio para a mitigação e adaptação climática (CAN, 2018). Por outro lado, verifica-se um enfoque restrito na ação climática que pode ser alargado para critérios que favoreçam o apoio a soluções abrangentes e ambientalmente sustentáveis (biodiversidade, restauração e resiliência dos ecossistemas, agroecologia, abordagens locais, etc.), para além da necessidade de existirem salvaguardas para impedir o apoio a ações incoerentes com o desenvolvimento sustentável (uso de combustíveis fósseis, sobrepesca, indústrias poluentes, produção que causa desflorestação e perda de biodiversidade, etc.). A programação do IVDCI deve ter por base os objetivos e políticas climáticas dos países parceiros, assegurando um financiamento equilibrado da mitigação/adaptação/perdas e dados, e dando prioridade aos países e às comunidades mais pobres e vulneráveis. Por fim, este instrumento deve incorporar fortes disposições sobre direitos humanos, sociais e ambientais no processo de programação e incluir mecanismos de monitorização e de reclamação/queixas (CONCORD, 2020).

Apoios a combustíveis fósseis

Os objetivos internacionais sobre o clima implicam que os fluxos financeiros sejam coerentes com baixas emissões de GEE e com um desenvolvimento resiliente ao clima. No entanto, subsistem práticas que constituem um obstáculo à mitigação climática, prejudicando também os objetivos económicos, sociais e ambientais a longo prazo. Entre estas, estão as subvenções aos combustíveis fósseis, o financiamento público a infraestruturas com grande intensidade carbónica (por exemplo, indiretamente, através de instituições financeiras de desenvolvimento) e quadros legislativos ou políticos que facilitam o apoio aos combustíveis fósseis (7).

O lobby ligado aos combustíveis fósseis tem estado particularmente ativo em período de pandemia, tendo uma investigação recente concluído que a sua atuação na Austrália, Canadá, Estados Unidos e UE, entre março e junho de 2020, foi maioritariamente bem-sucedida na influência sobre o planeamento da recuperação da pandemia, seja no adiamento de legislação climática, seja no acesso a fundos que favorecem a produção de combustíveis fósseis sobre outros setores (8). Uma análise das medidas tomadas pelos países do G20 para recuperação e estímulo à economia, relacionadas com o setor da energia, revela que a maioria dos apoios públicos são direcionados para os combustíveis fósseis (Evans e Gabbatiss, 2020) e que estes apoios ultrapassam os $240 mil milhões de USD, enquanto os apoios a energias “limpas” são de pouco mais de $161 mil milhões (9).

Este lobby tem atuado consistentemente junto das instituições da UE, para atrasar ou enfraquecer a ação climática (CEO et al, 2019; Ferguson, 2020). Persistem vários projetos de infraestruturas baseados em combustíveis fósseis e muitos Estados membros não estão a impedir os investimentos em nestes combustíveis ao ritmo necessário para cumprir o Acordo de Paris (para além de alguns países serem contra a redução progressiva da sua produção, como é o caso da Polónia e da República Checa (10). Entre 2008 e 2019, os subsídios da UE aos combustíveis fósseis situaram-se em torno de 55 a 58 mil milhões de euros anuais, sendo dois terços na forma de isenções ou reduções fiscais, e apenas seis países da UE têm um calendário para eliminação destes subsídios (TCE, 2022).

Durante a pandemia, verificou-se uma crescente pressão para o relaxamento de normas ambientais em áreas como a agricultura, transportes ou indústria como forma mais célere de recuperar a economia, e alguns planos nacionais para a recuperação económica denotam uma cedência a interesses das empresas de combustíveis fósseis (11).

O Pacto Ecológico Europeu não elimina os combustíveis fósseis, mas antes dá um papel proeminente ao comércio de carbono, que continua a permitir aos grandes poluidores desacelerar a transição (12). Embora existam regras ambientais mais apertadas para acesso a financiamentos, a coerência com o desenvolvimento sustentável implicaria que a indústria de combustíveis fósseis não tivesse acesso aos fundos públicos, como o Fundo de Recuperação e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (CEE, CAN e WWF, 2020).

ACEP

O financiamento de centrais elétricas com base em fontes fósseis é um exemplo que cumpre os critérios para ser considerado APD, mas que prejudica os objetivos climáticos. O apoio orçamental a países que centram o seu desenvolvimento económico em combustíveis fósseis pode ser outra incoerência

Externalização dos custos ambientais

A ambição climática da UE e a consequente necessidade de atingir metas definidas, tem resultado, em certos casos, numa externalização dos fatores que produzem efeitos mais nocivos para o ambiente, “exportando” esses fatores para países terceiros, com menor capacidade de regulação e fracas capacidades técnicas ou financeiras.

Tal verifica-se na relocalização de investimentos e indústrias intensivas em carbono para países em desenvolvimento. Neste âmbito, conhecemos os impactos poluentes da indústria têxtil, com várias multinacionais europeias a deslocalizarem a sua produção para países asiáticos ao longo das últimas décadas. Noutras indústrias, a produção em solo europeu foi substituída pela deslocalização e consequente importação de produtos altamente poluentes dos países em desenvolvimento (particularmente da China), como o aço ou o cimento, permitindo assim apresentar resultados positivos de diminuição das emissões nos países europeus (13).

Outro impacto importante é o da exportação de resíduos sólidos para países em desenvolvimento, o que, no caso dos países europeus, é barato e permite cumprir metas de reciclagem e tratamento de resíduos. Com efeito, é prática comum dos países desenvolvidos exportarem lixo eletrónico (14) e plásticos para países onde a falta de capacidade e controlo conduz a um tratamento inadequado – a incineração de plásticos tóxicos, a queima ilegal dos resíduos, a colocação em lixeiras a céu aberto ou o armazenamento sem condições – com impactos locais nocivos em termos de poluição, de contaminação dos solos e dos recursos hídricos, ou de saúde pública. (15)

A UE e os Estados Unidos são os principais exportadores de plástico, com a UE a exportar cerca de 150 mil toneladas de lixo plástico por mês para países terceiros, no início de 2019 (AEA, 2019). Boa parte destes fluxos consiste em resíduos contaminados que não são recicláveis, gerando contestação por parte de vários países importadores, especialmente na Ásia (16). Em maio de 2019, 180 países acordaram incluir o plástico na Convenção de Basel, o instrumento internacional que regula a exportação de resíduos sólidos perigosos (17). Esta maior dificuldade de exportação por parte dos países europeus poderá impulsionar a implementação de alternativas mais consistentes com a ação climática e a construção de uma economia circular mais robusta na Europa (AEA, 2019).

São também conhecidos os altos custos ambientais do ciclo de produção de certos produtos considerados “amigos do ambiente”, como os insumos, fabricação e descarte dos carros elétricos, principalmente das suas baterias (18). Para a extração e exploração de vários recursos naturais – como o cobalto ou o lítio – existem impactos não apenas ambientais, mas ao nível dos direitos económicos e sociais de populações já de si vulneráveis, pobres e/ou em risco de exclusão social, estando vários casos documentados na África Subsaariana. Perante o crescimento da procura deste tipo de matérias-primas e também da geração de resíduos, a UE introduziu recentemente requisitos ambientais mais restritivos para os produtores de baterias e fabricantes de automóveis elétricos, embora só entrem em vigor daqui a vários anos e nada esteja previsto quanto aos impactos nocivos já causados nos países mais pobres (19).

A produção de energias renováveis também entra nesta equação, nomeadamente pelo enfoque da UE em reduzir a intensidade das emissões dos combustíveis através de biocombustíveis, produzidos a partir de óleos virgens extraídos de culturas alimentares como a colza, soja, girassol e palma. A procura de biocombustíveis na Europa incentivou a destruição de terrenos ricos em biodiversidade e em carbono em várias zonas do mundo, com a destruição de áreas com floresta e causando maiores emissões. Indiretamente, estas monoculturas acabam também por causar maior escassez e aumento do preço dos produtos agrícolas localmente, contribuindo para problemas sociais e de segurança alimentar em países com economias mais frágeis. Reconhecendo o seu papel na desflorestação e na colocação de espécies em risco na Indonésia e Malásia (grandes produtores mundiais de óleo de palma), a UE decidiu pelo abandono do óleo de palma a produção de biocombustíveis até 2030, mas há a possibilidade de este ser apenas substituído pela soja, com efeitos similares (PE, 2019).

 

Conclusão

O cumprimento do princípio das “responsabilidades comuns mas diferenciadas” e o apoio e proteção dos países e comunidades mais pobres e vulneráveis às alterações climáticas afigura-se como uma prioridade necessária da cooperação internacional, no sentido de atingir não apenas objetivos climáticos mas também um desenvolvimento sustentável. Ao nível da UE, a persistência de práticas incoerentes, como o apoio a combustíveis fósseis ou a externalização de fatores com impactos ambientais negativos para países em desenvolvimento, contrastam com a ambição das metas globais definidas nesta matéria.

A urgência da crise climática não deve fazer esquecer a necessidade de abordar de forma equilibrada as várias dimensões do desenvolvimento sustentável (económica, social e ambiental) e de colocar as pessoas no centro da transição para economias de neutralidade carbónica e resilientes às alterações climáticas. Isto significa que as medidas e projetos de cooperação na área climática devem não apenas cumprir os objetivos climáticos, mas terem em consideração os impactos no emprego, no desenvolvimento humano, na pobreza e exclusão social.

Para avançar no sentido de maior coerência das políticas para o desenvolvimento, os fluxos de ajuda e investimento devem estar enquadrados por critérios, regras e mecanismos que assegurem padrões ambientais e sociais elevados e de respeito pelos direitos humanos. Além disso, na recuperação da pandemia de COVID-19, os instrumentos aprovados devem combinar de forma integrada a ação climática e a justiça social, de forma a promoverem uma recuperação simultaneamente inclusiva e sustentável.

 

Bibliografia

AEA (2019). The plastic waste trade in the circular economy. Briefing da Agência Europeia do Ambiente, outubro de 2019.

Ahairwe, Pamela; Bilal, San (2019). Boosting EU climate finance: Mitigate more without neglecting adaptation in poorer countries. CASCADES Policy Brief, dezembro de 2019.

Busch, Jonah (2015). Climate Change and Development in Three Charts. Center for Global Development, 18.08.2015.

CAN (2018). Climate Action in the post-2020 MFF proposal (NDICI) on Global Europe NGO concerns and recommendations. Climate Action Network, agosto de 2018.

CE (2019). Pacto Ecológico Europeu. Comunicação da Comissão Europeia. COM(2019) 640 final, Bruxelas, 11.12.2019.

CE (2020). Combater as alterações climáticas. Ficha Temática, Comissão Europeia, janeiro de 2020.

CEE, CAN e WWF (2020). EU funds need to catalyse the transition away from fossil fuels.  EU Member State Briefing, CEE Bankwatch Network, Climate Action Network Europe, World Wildlife Fund, dezembro de 2020.

CEO et al (2020). Big Oil and gas buying influence in Brussels. Corporate Europe Observatory, Food&Water Europe, Friends of the Earth Europe, Greepeace, 24.10.2019

Climate Action Tracker (2020). Pandemic recovery: Positive intentions vs policy rollbacks, with just a hint of green. New Climate Institute e Climate Analytics, setembro de 2020.

CONCORD (2020). Green deal, human development and NDICI Programming. Briefing, agosto de 2020.

Dupraz-Dobias, Paula (2020). Why climate funds may be ‘displacing’ lifesaving aid. The New Humanitarian, 17.03.2020.

Evans, S.; Gabbatiss, J. (2020). Coronavirus: Tracking how the world’s ‘green recovery’ plans aim to cut emissions. CarbonBrief, junho de 2020.

Ferguson, Juliet (2020). Europe’s love affair with fossil fuels. Investigate Europe, 13.7.2020.

GCA (2020). Call to Action for a Climate-Resilient Recovery from COVID-19. Global Comission on Adaptation, 09.07.2020.

IDMC (2020). Global report on internal displacement 2020. Internal Displacement Monitoring Centre, Genebra.

IEP (2020). Ecological Threat Register: Understanding Ecological Threats, Resilience and Peace, Institute for Economics and Peace, Sidney, setembro de 2020.

IPCC (2014). Climate Change 2014, Synthesis Report. Fifth Assessment Report: Summary for Policymakers. Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, Nações Unidas, Genebra.

Kenny, Charles (2020). On Aid and Climate, Don’t Make the Poor Pay Twice. Comentário e Análise, Center for Global Development, 27.10.2020.

McCarthy, Joe (2020). Why Climate Change Disproportionately Affects Women. Global Citizen, março 2020.

ONU (2019). Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction 2019, United Nations Office for Disaster Risk Reduction, Genebra.

OCDE (2019). Aligning Development Co-operation and Climate Action – The Only Way Forward. OCDE, Paris, novembro de 2019.

OCDE (2020). Climate Finance Provided and Mobilised by Developed Countries in 2013-18. OCDE, Paris, novembro de 2020.

Oxfam (2020). Confronting Carbon Inequality: Putting climate justice at the heart of the COVID-19 recovery. Oxdam Media Briefing, 21.09.2020.

PE (2018). Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de janeiro de 2018, sobre mulheres, igualdade de género e justiça climática (2017/2086(INI)), Estrasburgo.

PE (2019). Resolução do Parlamento Europeu, de 28 de novembro de 2019, sobre a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2019, em Madrid. (2019/2712(RSP)), Estrasburgo.

PNUA (2020) Emissions Gap Report 2020. Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

Quevedo, A.; Peters, K.; Cao, Y (2020). The impact of Covid-19 on climate change and disaster resilience funding. ODI Briefing Note, Overseas Development Institute, outubro de 2020.

UE (2015). Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas (texto do Acordo, JO L 282 de 19.10.2016).

UE (2017). Consenso Europeu para o Desenvolvimento: O Nosso Mundo, a Nossa Dignidade, o Nosso Futuro. União Europeia, Bruxelas.

VividEconomics (2020). Greenness of Stimulus Index.

WEF (2015). Outlook Global Agenda: Top Ten Trends of 2015. World Economic Forum.

WEF (2020). Future of Nature and Business Report. World Economic Forum, julho de 2020.

 

 


[1] Definiu-se que cerca de 37% do fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros, o Next Generation EU, servirá diretamente a consecução dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu.

[2] A CPD é um conceito e abordagem que analisa os impactos das várias políticas públicas nos objetivos e processos de desenvolvimento, implicando que estas não tenham efeitos negativos particularmente nos países mais pobres e com maiores vulnerabilidades. A CPD é um compromisso político e obrigação legal das instituições da UE e dos Estados membros desde 1992 (Tratado de Maastricht, artigo 130u), reforçado no Tratado de Lisboa de 2009 (Artigo 208.º, n.º2) e reiterado em documentos estratégicos como o Consenso Europeu para o Desenvolvimento de 2017 (Capítulo 1.2., pontos 10 a 12, e capítulo 4.2, pontos 108 a 112).

[3] A UE e os Estados membros são, no seu conjunto, o principal financiador mundial, disponibilizando 23,2 mil milhões de euros em 2019. Os valores globais ainda não atingiram $100 mil milhões de USD anuais para os países em desenvolvimento, como internacionalmente acordado a partir de 2020 (análise dos fluxos em OCDE, 2020).

[4] O Acordo de Paris preconiza a paridade (50/50) no financiamento da mitigação e adaptação.

[5] O Artigo 8º do Acordo de Paris prevê medidas para colmatar as perdas e danos, mas os países desenvolvidos opõem-se ao desembolso de recursos financeiros com esta lógica.

[6] Vários financiamentos climáticos podem ser contabilizados como APD.

[7] Se juntarmos todos os tipos de apoios existentes, o Fundo Monetário Internacional aponta para um total de mais de 5 biliões de USD anuais. In A 5 Trillion Dollar Subsidy: How We All Pay For Fossil Fuels”, Forbes, 02.06.2020.

[8] In “Report: Governments are bowing to fossil fuel lobbying in Covid-19 recovery planning”, Eddie News, 09.07.2020.

[9] Dados de 30 de dezembro de 2020, Energy Policy Tracker, www.energypolicytracker.org/region/g20/

[10] O Parlamento Europeu tem apelado por diversas vezes à adoção de medidas concretas, mormente um calendário, para a supressão progressiva de todas as subvenções aos combustíveis fósseis.

[11] In “How the fossil fuel industry used Covid-19 to derail the EU green deal”, Friends of Earth Europe, 05.10.2020.

[12] In “A grey deal? Fossil fuel fingerprints on the European Green Deal”, Corporate Europe Observatory, 07.07.2020.

[13] In “You’ve Heard of Outsourced Jobs, but Outsourced Pollution? It’s Real, and Tough to Tally Up”, Brad Plumer, New York Times, 04.09.2018.

[14] Os países desenvolvidos enviam, anualmente, cerca de 23% destes resíduos para os países em desenvolvimento. Ver “What Can We Do About the Growing E-waste Problem?”, General Earth Institute, 27.08.2018.

[15] In “By exporting trash, rich countries put their waste out of sight and out of mind”, CNN, 29.09.2019.

[16] In“Why some countries are shipping back plastic waste”, BBC, 01.06.2019.

[17] In “Shipping plastic waste to poor countries just got harder. National Geographic, 10.05.2019.

[18] In “Developing countries pay environmental cost of electric car batteries”, UNCTAD, 22.07.2020.

[19] In “EU introduces tougher green standards for batteries”, Science Business, 10.12.2020.