A solidariedade tem de ter uma lógica sustentável

Vanessa Rodrigues

Jornalista independente, realizadora de documentários, escritora e investigadora. A memória, a condição humana, a justiça social e a cultura são temas recorrentes
nos seus trabalhos, cruzando várias linguagens artísticas. É doutoranda em Estudos em Comunicação para o Desenvolvimento na Universidade Lusófona do Porto, onde leciona. Tem trabalhos publicados no DN, NM, TSF, Visão, Público, Sol, Expresso.

Foto: Vanessa Rodrigues

O táxi demora 30 minutos a chegar até à Avenida do Trabalho, n.º 736, desde o início da Avenida Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique. “Estamos em frente ao mercado da Malanga, ao lado da Padaria Bijou”, escreve por mensagem Ruy Santos, 44 anos, mentor da plataforma colaborativa solidária Makobo. Os projetos solidários? Sopa, Escolinha, Parquinho, acompanhamento lúdico-pedagógico a crianças e mães internadas em enfermarias de Pediatria, merenda escolar, artesanato sustentável, padaria, campanha diga não à mendicidade, formação para hortas familiares. São 10h30 e o portão de ferro do armazém onde fica o escritório desta empresa social, aliás a primeira com esta denominação em Moçambique, está fechado. Não há ainda enquadramento jurídico para negócios desta natureza. Os muros desta casa branca são altos e tem arame no topo. Estão aqui desde 2014.  Ruy chega de carro. O portão abre-se e este arquiteto de formação, natural da ilha de Moçambique, salta as formalidades. “Se tivéssemos chegado mais cedo ainda as teríamos visto a preparar a merenda escolar, mas a carrinha já saiu”, explica, mencionando um dos muitos projetos da Makobo (que significa banana nas língua moçambicana chimanca).

“Chateava toda a gente no Facebook a não ficar indiferente”

A semente para esta empresa – que hoje emprega nove pessoas, conta com 37 voluntários e dezenas de parceiros-, começou a ser plantada em 2005, quando Ruy Santos regressa a Moçambique depois de uma temporada a trabalhar e a estudar Arquitetura, Design e Artes em Portugal. Nessa altura, queria transformar o artesanato moçambicano numa “lógica funcional para gerar rendimentos”. Começou por trabalhar num projeto de artesanato em Xai Xai, mas “que não tinha nenhuma relação com a comunidade local”. Depois, “não fixava os jovens nas comunidades”. Esta experiência deu-lhe a oportunidade, no entanto, de viajar e conhecer a realidade de Moçambique. Percebeu que tinha de fazer algo. Criou a Makobo “como extensão desse conceito”, envolvendo as comunidades. Entretanto, foi convidado para trabalhar na Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia de Maputo, a FEIMA. E esse foi um confronto com a precariedade do artesanato no país. “A maioria dos artesãos não tinha literacia suficiente para fazer o negócio”, reforça. De manhã o produto tinha um valor, ao final do dia, outro muito mais baixo. “O objetivo era ter dinheiro para comer.” Constatou que tinha de trabalhar com os jovens, formando de base. “Comecei a chatear toda a gente no Facebook a não ficar indiferente e começam a surgir ideias com uma lógica solidária, para criar impacto e mudança sociais”. O artesanato foi uma delas. Hoje, em parcerias com artesãs, artesãos e o projeto Mezimbite, na Beira, criaram uma loja online, mobilizado pela Makobo.

“Mais do que um projeto social: da literacia à nutrição”

Para Ruy, a Makobo é mais do que uma plataforma colaborativa solidária. “Nós criamos pontes de transformação, com transferência de tecnologia, através da educação para a cidadania, educação alimentar, literacia, para combater o analfabetismo, a desnutrição e o desemprego jovem”, realça. Na área de Literacia e Alfabetização desenvolvem a escolinha solidária, no Bairro dos Pescadores, Costa do Sol, que funciona às terças e às quintas-feiras, para crianças da primeira à oitava classes do ensino público. É, ainda, um espaço ocupacional, com jogos e outras brincadeiras, resgatando os valores familiares e comunitários tradicionais.

Moçambique tem cerca 28,8 milhões de habitantes com graves problemas de desnutrição. “Isso significa que o desenvolvimento cognitivo está comprometido, logo não vamos ser capazes de ter adultos com capacidade intelectual”, reflete Ruy Santos, para reforçar a missão da plataforma solidária. “Temos primeiro de ensinar as pessoas a comer e a extrair o melhor dos nutrientes.” A Sopa Solidária surge para atender essa necessidade. Por dia, servem cerca de 400 sopas, beneficiando, semanalmente, cerca de duas mil pessoas, principalmente idosos e crianças, garantindo que estes tenham, pelo menos, uma refeição condigna por dia. Além disso, a Makobo promove a merenda escolar, apoiando diariamente crianças e jovens carenciados, dos 3 aos 17 anos de idade, residentes em bairros degradados e a frequentarem o ensino público. Tem sopa, pão, água, fruta ou salada de fruta e, em contrapartida, os pais e os educadores têm de plantar uma árvore de fruta, uma árvore de sombra, uma moringa e um canteiro de hortícolas e ou vegetais. “Precisamos de incentivar a produção, como forma de, ao longo do tempo, melhorar a sua alimentação e, por outro lado, para que eles tenham capacidade de incrementar o trabalho nas suas hortas e irmos para um nível em que eles sejam capazes de comercializar.” O objetivo é chegar a 2020 a beneficiar um milhão de crianças em todo o país. “Como Moçambique não é autosuficente a nível alimentar, precisamos de incentivar a produção local, porque a solidariedade tem de ser sustentável a todos os níveis.”