Financiamento sustentável, setor privado e transição justa

João José Fernandes and José Luís Monteiro (Oikos – Cooperação e Desenvolvimento)
julho 2021
Plataforma Portuguesa das ONGD

Tomás Nogueira

Técnico de Advocacy na Plataforma Portuguesa das ONGD, desde abril de 2019. Licenciado em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Mestre em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da mesma universidade. Natural de Braga.

Na sequência da Presidência Portuguesa da União Europeia, que tinha no relacionamento com África e na transição climática duas das suas principais prioridades, a Plataforma Portuguesa das ONGD editou o relatório Financiamento Sustentável, Setor Privado e Transição Justa – cuja elaboração ficou a cargo de João José Fernandes e José Luís Monteiro, da ONGD Oikos – Cooperação e Desenvolvimento. Num contexto em que vários barómetros colocam, sistematicamente, as alterações climáticas no topo das preocupações das populações, o relatório procurou olhar para as interceções entre as várias dimensões do desenvolvimento sustentável, especialmente no âmbito das relações entre a União Europeia (UE) e o continente africano. 

Para isso, os autores começam por relembrar que a UE se tem projetado como líder mundial na promoção do desenvolvimento económico, ambiental e socialmente sustentável, através de uma aposta na “transição verde” como forma de enfrentar a crise climática e de mitigar as consequências socioeconómicas que uma transformação como esta implica. Com efeito, poucos meses depois de tomar posse, o atual colégio de comissários apresentou o embrião do que viria a ser o Pacto Ecológico Europeu, um instrumento dedicado a “tornar a Europa no primeiro continente com impacto neutro no clima”, no qual é realçado “o papel-chave do setor privado no financiamento da transição ecológica”. 

Contudo, sabendo-se que os países mais afetados pelas alterações climáticas serão, em grande medida, aqueles que menos contribuíram para o aumento de concentração de carbono na atmosfera terrestre, o enquadramento oferecido pelo relatório mostra bem como é que os compromissos para a mobilização de financiamento assumidos pelos países economicamente mais avançados têm sido, sistematicamente, quebrados. A este respeito, os autores assinalam que “os compromissos assumidos ao abrigo do Acordo de Paris se destinavam a reunir financiamento adicional, e não a dar uma nova roupagem à Ajuda Pública ao Desenvolvimento tradicional”. 

Como podemos falar de uma transição justa quando, nem os compromissos assumidos em torno das metas da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, nem os montantes prometidos para financiar o combate às alterações climáticas nos países em desenvolvimento estão a ser levados a sério? 

Além de traçar um retrato rigoroso do que tem sido feito nos últimos anos, o relatório lança um conjunto de propostas. Reconhecendo a necessidade de reconsiderar os pressupostos em que a economia assenta (na sua dimensão local, regional e global), o relatório procura discutir o papel do setor privado na realização dos objetivos definidos no Acordo de Paris em termos de mitigação e adaptação às alterações climáticas.  

Há ainda um longo caminho a percorrer: a maioria das empresas ainda privilegia os ganhos de curto prazo, relegando para segundo plano os impactos sociais e ambientais da sua atividade. Com o objetivo de quebrar com este paradigma assente no critério único da maximização dos lucros, os autores apelam ao estabelecimento de mecanismos de “Governança Ambiental, Social e Corporativa e Diligência Devida em Matéria de Direitos Humanos”. Segundo o relatório, o papel do setor privado na promoção do desenvolvimento e na transição para uma economia mais justa e sustentável deve, assim, depender de um alinhamento com as necessidades que, em cada contexto, se colocam.

É por isso que os autores defendem que o envolvimento de privados no esforço de desenvolvimento deve estar sujeito à obtenção de uma “licença de agente de desenvolvimento” que assegure que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estejam “no coração das suas operações”. Este tipo de abordagem permitiria, aliás, ir ao encontro daquilo que tem sido defendido pela Sociedade Civil a nível global e por diversos grupos de ativistas: a preferência por modelos de negócio inclusivos e sustentáveis. 

Num momento crítico para enfrentar os efeitos da crise ecológica, é, de facto, necessário ir mais longe e encontrar respostas mais abrangentes – sobretudo num contexto de elevada pressão fiscal sobre os países que, em termos absolutos, dedicam mais financiamento à APD e às questões do clima.  O relatório Financiamento Sustentável, Setor Privado e Transição Justa deixa propostas concretas para reformular a arquitetura de governança dos mecanismos de estímulo a investimentos em países em desenvolvimento e para encontrar fontes adicionais de financiamento que se dediquem especificamente a apoiar políticas de combate às alterações climáticas (como os Green Bonds), apontando caminhos para o combate que, coletivamente, precisamos de travar.