África em transformação, desenvolvimento económico na era da dúvida

Carlos Lopes
2020, Tinta da China,
Lisboa

Carlos Sangreman

Licenciado em Economia no ISEG e doutorado em Estudos Africanos no ISCTE. Professor aposentado na Universidade de Aveiro e investigador e dirigente do CEsA. Tem desenvolvido consultoria internacional nos PALOP e Timor-Leste. Foi assessor para a cooperação do MTSSS (1998/03) e do Fórum do SENEC (1998/03; 2008/12). É autor de artigos e livros sobre as temáticas do desenvolvimento.

O autor é um economista da Guiné-Bissau, com uma carreira em altos cargos na ONU, professor na Universidade do Cabo, África do Sul e visitante em Sciences Po, em Paris. É autor de duas dezenas de livros e múltiplos artigos. Na presente obra, escrita antes da pandemia, o autor procura apresentar aquilo que considera serem oito desafios para transformação de África como um todo, no panorama económico internacional, desenvolvendo a evolução de uma aliança com a China que considera ser o caminho mais possível para esse processo, apesar da distância cultural e linguística entre essas duas zonas do mundo. Desenvolve igualmente a ideia de que a economia azul – mar, rios e ecossistemas respetivos – pode potenciar processos de criação de valor acrescentado em vários países africanos não distinguindo o Norte de africa árabe da africa subsaariana.

Esses oito desafios são (pág. 17): mudar as políticas, respeitar a diversidade, compreender o espaço político, fazer a transformação estrutural através da industrialização, aumentar a produtividade agrícola, revisitar o contrato social, adaptar as economias às alterações climáticas e assumir protagonismo nas relações com a China. Se procurarmos a opinião do autor sobre o espaço cívico e o seu papel na transformação que preconiza podemos começar por verificar que o ponto de partida é a consideração do período colonial ter demarcado a identidade social dos territórios que se tornariam Estados, em espaço público cívico e o espaço público primordial (Ekeh, 1975) que articula com a análise do Estado Central e do Estado Local de Mamdani (1996). A evolução da construção dos Estados pós-coloniais leva a um espaço cívico ligado ao público primordial e ao Estado local, com alguma rivalidade entre ambas as categorizações no acesso às populações.

A partir da falência das políticas económicas e sociais impostas aos países que dependiam do FMI e do BM – seja diretamente seja pelo peso que as análises destas instituições tinham nas decisões de outros – como resposta à crise da divida e ao período de políticas de ajustamento de estabilização e estrutural, o espaço cívico local alargou-se e o espaço público central diminuiu. A mensagem que essas políticas passaram foi de que os Estados centrais dos novos países não eram nem independentes nem capazes de proporcionar o bem-estar que as independências prometiam, pelo que as organizações que compunham o espaço cívico seriam o ator social adequado para a evolução em direção a objetivos de desenvolvimento que vieram em 2000 a sistematizar-se nos ODM e depois nos ODS. O alargamento do espaço cívico – acelerado com a impressionante facilidade de comunicar e aceder a informação que a net e os telemóveis trouxeram – não resolveu os problemas estruturais das economias e das sociedades africanas, que se foram mantendo em posição de fornecedores de bens com pouco valor acrescentado à medida que os indicadores sociais melhoravam e as populações diversificavam o consumo com bens de muitas origens, mas pouco africanas.

O autor não se detém no papel futuro das organizações deste espaço antes optando por defender que africa não vai longe se não se industrializar a partir da sua agricultura e doutros recursos como a pesca e os minérios. Pensamos que está pouco abordada a ideia que esse caminho vai afrontar os interesses da indústria agroalimentar de outras zonas do mundo, que dificultarão de todas as maneiras esse processo ou se apropriarão dele por via do IDE em capital e tecnologia com que os países africanos dificilmente competirão (apesar de referir como exemplo o protecionismo à agricultura que faz a União Europeia).

A atitude de fundo do autor é a de alguém que recusa ver o copo meio cheio ou meio vazio, mas escolhe ver meio cheio e meio vazio. Ou seja, a realidade tem sempre aspetos negativos e positivos e só se compreende tendo dados e perceções sobre os dois, e não privilegiando um ou outro. Por isso o autor procura referir dados e trabalhos de outros autores e instituições com um predomínio de autores africanos que é muito útil pois é raro em obras de europeus ou norte americanos. É um livro que vale a pena ler por colocar claramente alguns dos dilemas que os países africanos defrontam – uns antigos outros novos – para evitarem tornarem-se o parente pobre do mundo. E as questões que a pandemia mostrou e agravou juntamente com a falência do state building que o processo do Afeganistão pôs a nu, ganham em ser pensados tendo presente as reflexões e propostas de Carlos Lopes.