Em África, os quatro rios – A representação de África através da literatura europeia e norte-americana (1958-2002), António Pinto Ribeiro, recorrendo à obra de quatro autores contemporâneos que viajam tocando quatro rios africanos – o Níger, o Zambeze, o Nilo e o Congo – apresenta ao leitor uma fecunda e ampla reflexão sobre literatura de viagens enquanto género literário em si, mas também, e sobretudo, enquanto lente através da qual o Ocidente construiu, e em parte ainda constrói, a sua leitura do continente. Partindo de uma análise da evolução do género a partir do século XVIII, as páginas do volume acompanham-nos através dos muitos olhares construídos sobre África, apresentando sugestões e leituras de autores como o canónico Joseph Conrad de Heart of Darkness, ou Jules Verne, ou ainda Paul Bowles e alguns representantes da “Beat Generation”, chegando a “viajantes profissionais” como Bruce Chatwin. Trata-se de olhares completamente diferentes entre si, mas que contribuíram para criar um cânone de leitura à volta do que é África, mais ou menos exótica e que, juntamente à narrativa criada pela etnografia clássica e colonial, demora a ser desconstruído. O papel do pensamento antropológico, a começar por Michel Leiris, torna-se fundamental para repensar a relação entre mundos diferentes e ao considerar tal disciplina enquanto forma narrativa, o autor consegue desenhar um quadro mais abrangente das epistemologias construídas sobre o continente até hoje. O núcleo duro do livro é representado pela análise de quatro obras de autores ocidentais e brancos. Trata-se de Heban de Ryszard Kapuscinski (1998), Avventure in Africa de Gianni Celati (1998) Dark Star Safari de Paul Theroux (2002) e Baía dos Tigres de Pedro Rosa Mendes (1999). Propõe-se então uma reflexão sobre as estratégias de representação do continente, tentando visar como em cada livro quem escreve se confronta com o horizonte do pós-independência, detetando possíveis fraturas e continuidades no quotidiano das pessoas que naqueles espaços hoje vivem, novos e velhos atores, sem ceder a nenhum posicionamento nostálgico. Mas o objetivo do trabalho de António Pinto Ribeiro parece-me situar-se a outro nível, o das estratégias de representação. Os autores escolhidos, revelando uma empatia apriorística com a realidade que os rodeia, tentam eliminar a distância a partir da qual observam mundos fatalmente diferentes, mas abrem para a possibilidade de repensar através de momentos de profunda autodefinição de si próprios a sua reflexão sobre o outro. Essa mise en cause, mesmo não constituindo um ponto de chegada, marca uma mudança de passo que me parece fulcral, exatamente porque abre para uma relação entre sujeitos e objetos de formas narrativas que tenta renovar-se e inscrever-se finalmente noutro espaço epistemológico.
Na última parte do livro, o autor fornece-nos algumas pistas teóricas que ajudam a repensar a relação entre mundos. Ao chamar à atenção para o facto que raramente os africanos escrevem sobre viagens, no sentido de atravessamento físico de espaços, o autor realça, porém, a importância do contributo das diásporas que redefinirão num próximo futuro as relações de força entre eles, África e a própria epistemologia europeia, saindo assim de um jogo feito apenas de contraposição, recorrendo aos múltiplos saberes de que se compõe o mundo global. O afro-futurismo, pela sua natureza híbrida e compósita, é um dos caminhos a perseguir.