Cooperação Portuguesa: o desinvestimento na APD bilateral como alteração do compromisso com o financiamento do Desenvolvimento?

Ana Filipa Oliveira

Trabalha na ACEP, desde 2009, onde desenvolve projectos na área da comunicação, advocacia e direitos humanos. É responsável pela elaboração dos recentes relatórios AidWatch, em Portugal. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, é licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra.

Luís Mah

Professor e investigador no ISEG/ ULisboa. Foi diretor da Campanha do Milénio da ONU e da Chamada Global para a Acção Contra a Pobreza em Portugal. Doutorado em Estudos de Desenvolvimento pela London School of Economics e mestre pela Universidade de Yonsei. As suas áreas de especialização são Economia Política Internacional da APD, Comércio e Finança, Desenvolvimento da Ásia Oriental e Política Externa da UE.

“Este debate não é uma questão técnico/financeira, pois que importa perceber em que medida ela pode estar a representar uma alteração política profunda nos compromissos nacionais no âmbito do financiamento do desenvolvimento, com desvalorização das prioridades dos países parceiros e da coerência e autonomia da cooperação portuguesa”

As regras de jogo definindo a prática na arena da cooperação internacional nos últimos 50 anos pelo grupo de países doadores mais ricos reunidos no CAD/OCDE passam actualmente por um período de redefinição. A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) tradicional (subsídios e empréstimos concessionários) tem estado no centro da cooperação internacional, porém está em curso a sua redefinição (a chamada “modernização” do conceito), que a tem reduzido, face à emergência de outros instrumentos financeiros como o blended finance, que usa a APD para alavancar e atrair investimento do sector privado. Desde a OCDE, passando pela Comissão Europeia, Nações Unidas, o blended finance é visto como o caminho para se encontrar os mais de 2 biliões de dólares ditos necessários para financiar a agenda dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

A mesma agenda reiterou, no entanto, a necessidade de os países doadores canalizarem 0,7 % do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para a APD, até 2030 (uma meta que havia sido estipulada para 2015 e que não foi cumprida pela maioria dos Estados comprometidos, incluindo Portugal). Portugal nunca cumpriu a meta estipulada e encontra-se cada vez mais aquém da sua concretização, uma vez que não ultrapassa os 0,18 % RNB/APD (dados de 2017). Embora esteja em curso a discussão sobre a “modernização” da APD e a criação de um mecanismo agregador, capaz de medir todo o esforço público para o Desenvolvimento, denominado TOSSD – Total Official Support for Development – a APD continua ainda a ser a ferramenta por excelência que permite perceber o grau de compromisso financeiro de cada Estado financiador para o Desenvolvimento internacional.

No caso português, em 2017, a APD portuguesa cifrou-se nos 384 milhões de euros, ou 0,18 % do Rendimento Nacional Bruto (RNB), de acordo com dados preliminares disponibilizados pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua para o Relatório Europeu AidWatch 2018 (CONCORD, 2018). Em termos de volume financeiro, os valores de 2017 ultrapassam os valores de 2007, quando a APD portuguesa chegou aos 343 milhões de euros, mas que na altura representava 0,22% do RNB, como demonstra o gráfico seguinte.

APD bilateral e multilateral e a opção pós-2015

Se compararmos a APD bilateral (comprometida directamente aos países parceiros de cooperação) e multilateral portuguesa (transferida para organizações internacionais intermediárias) para a década em análise, observamos que Portugal vinha dando prioridade à APD bilateral, em linha com a estratégia da Cooperação Portuguesa. No entanto, a partir de 2015 a situação inverteu-se com a APD multilateral a representar, desde então, a maior fatia da APD portuguesa: 146 milhões de euros, em 2015 (contra 133 milhões da APD bilateral), 196 milhões de euros, em 2016 (contra 114 milhões de euros da APD bilateral), e uns significativos 236 milhões de euros, em 2017 (contra 101 milhões de euros da APD bilateral), como se pode constatar no gráfico seguinte. Isto significa que só em 2017, por exemplo, quase 70 % da APD portuguesa foi canalizada para organizações multilaterais, com destaque para o orçamento da Comissão Europeia (cerca de 115 milhões de euros) e para o Fundo Europeu de Desenvolvimento (47,5 milhões de euros), de acordo com o Sistema de Informação Integrado da Cooperação Portuguesa (Camões, I.P.).​

​Tal como expresso no Relatório AidWatch de 2018 (CONCORD AidWatch, 2018)1 e no Relatório AidWatch Portugal (Oliveira, 2017)2, esta aposta orçamental na APD multilateral parece estar não só destinada a projectar externamente a imagem de um país comprometido com a Cooperação para o Desenvolvimento internacional, mas também a potenciar a sua presença e influência nos fóruns internacionais, principalmente no seio da União Europeia.

Em termos geográficos, a Cooperação Portuguesa continua a privilegiar a sua acção na África subsariana e, em particular, nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), representando mais de 70% do destino final da APD portuguesa desde 2006. Esta concentração nos PALOP, quatro deles considerados Países Menos Desenvolvidos (segundo a terminologia oficial das organizações multilaterais), significa que a Cooperação Portuguesa acaba por seguir as recomendações do CAD/OCDE ao destinar a maior percentagem da sua APD para os países com os rendimentos mais baixos a nível internacional.

No que diz respeito ao ligamento da ajuda, ou seja, à percentagem de APD ligada à aquisição de bens ou serviços de empresas portuguesas, a Cooperação Portuguesa continua a ter uma das taxas mais elevadas no contexto do CAD/OCDE. Dados de 2016 demonstram que Portugal surge na 23.ª posição no conjunto dos 28 países da OCDE em matéria de desligamento da APD, tendo registado em 2012 o valor mais elevado (75,4 %) de APD ligada a outros interesses. Nos últimos anos, o grau de ligamento da APD bilateral tem diminuído progressivamente, porém ainda assume valores muito elevados, de cerca de metade dos fundos disponíveis (em 2016, registou-se 51 % de ligamento da APD bilateral). Este decréscimo progressivo deve-se sobretudo ao reembolso de dívida a Portugal por parte de Angola, ao início do período de reembolso de linhas de crédito ou empréstimos concessionais de Cabo Verde e à menor utilização de linhas de créditos ou empréstimos concessionais por parte dos países receptores da APD bilateral portuguesa.

​Cooperação Delegada: a “grande aposta” da Cooperação Portuguesa

A Cooperação Delegada é, nas palavras da actual Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Teresa Ribeiro, a “grande aposta” da Cooperação Portuguesa neste momento. Esta modalidade traduz-se, na prática, na gestão de fundos e projectos da União Europeia (UE), delegados pela Comissão Europeia, a determinados Estados-membros para a execução de programas de Cooperação (através de “acordos de delegação”). Os programas são definidos e priorizados pela UE e implementados por determinados Estados-membros, cuja mais-valia é avaliada para a sua selecção e posterior execução dos programas.

Embora a modalidade não seja uma novidade – é utilizada há cerca de uma década por diferentes Estados-membros da UE (Portugal teve o primeiro acordo em 2011) – a “aposta” da Cooperação Portuguesa na Cooperação Delegada revelou-se nos últimos quatro a cinco anos, tendo ganho cada vez mais peso no cômputo geral da Cooperação para o Desenvolvimento. De acordo com os dados disponibilizados pelo Camões, – Instituto da Cooperação e da Língua, num lento processo e por aproximações sucessivas (os dados não constam nos canais de informação de acesso público até agora), o Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Ministério do Interior da República de Moçambique (MINT) foi o acordo pioneiro delegado à Cooperação Portuguesa, em 2010. Desde então, foram já executados mais três projectos em Timor-Leste, em áreas como o apoio à governação democrática, nas áreas da justiça e da comunicação social, e o desenvolvimento rural, encontrando-se em fase de encerramento o Programa de Apoio à Aliança Global para as Alterações Climáticas (PAAC), em Timor-Leste, e o Projecto de Apoio à Melhoria da Qualidade e Proximidade dos Serviços Públicos (PASP) nos PALOP e também em Timor-Leste. Desde 2014 que a Cooperação Portuguesa tem em curso mais cinco acordos de Cooperação Delegada, que se estenderão até 2022, localizados sobretudo nos PALOP e em Timor-Leste. O Camões, I.P. assume nestes contratos o papel de gestão, uma vez que é a entidade certificada pela UE em Portugal para o efeito, sendo responsável por garantir o controlo interno dos programas, a contabilidade e o sistema de auditoria, bem como as regras e procedimentos para a contratação pública e a atribuição de subvenções. A maior parte das entidades com contratos de Cooperação Delegada são departamentos do Estado, empresas estatais e universidades públicas. Vejamos, por exemplo, o caso do projecto de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN), cujos parceiros de execução são a Universidade do Porto, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a Autoridade Nacional de Proteção Civil e a Direcção Geral de Saúde. Há ainda a referência a Outros, mas sem especificar o tipo de entidades parceiras. Nos contratos mais recentes (em curso ou em fase de arranque), não existe informação oficial sobre a inclusão de entidades privadas, porém sabe-se que estão negociados ou em negociação este tipo de parcerias, embora essa informação não tenha sido tornada pública até à data.

No que diz respeito às modalidades de parceria, de acordo com a informação oficial disponibilizada pelo Camões, I.P., a grande maioria dos contratos (cerca de 51 %) são contratos de Assistência Técnica, seguindo-se os contratos de Prestação de Serviços (aproximadamente 27 %) e as Subvenções (cerca de 15 %), entre outras formas mais residuais. O método de selecção destas parcerias é, na sua grande maioria, a cooperação institucional existente entre as entidades e o Camões, I.P.

Como demonstra a Tabela 1, Portugal participa actualmente em cinco acordos de Cooperação Delegada, que totalizam cerca de 147 milhões de euros. Em termos gerais, os acordos de Cooperação Delegada com participação portuguesa, desde 2011, envolvem quase 200 milhões de euros, dos quais 105,6 milhões são geridos por Portugal e 5,4 milhões cofinanciados a partir da Cooperação bilateral portuguesa. Em termos gerais, o co-financiamento de Portugal a estes acordos não vai além dos 2,7 % da APD bilateral. Não existem ainda dados concretos sobre o impacto e a eficácia desta abordagem na Cooperação para o Desenvolvimento. Existem, porém, dois documentos de avaliação geral da Cooperação Delegada da UE (um datado de 2007 e outro de 2014) que recomendam, entre outras coisas, a necessidade de a adaptar à agenda de eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento, em matéria de programação conjunta dos projectos com os países parceiros, e de uma maior atenção a aspectos relevantes para o país receptor dos programas. Ou seja, os diversos Estados membros da UE envolvidos na Cooperação Delegada devem priorizar os sistemas nacionais para a implementação dos programas, reduzindo os obstáculos operacionais e incentivando a apropriação e o alinhamento com as prioridades locais nos países e regiões de implementação.

“São opacos os procedimentos de contratação e de envolvimento
dos diversos actores e a informação, seja sobre as oportunidades de financiamento, seja sobre contratos

Os Fundos Fiduciários com participação portuguesa

Outro instrumento financeiro que conta com a participação de Portugal são os chamados fundos fiduciários (ou trust funds) que, embora sejam também promovidos pela UE, se distinguem da Cooperação Delegada por se tratarem de instrumentos para garantir uma resposta mais célere a determinadas situações de emergência. Para a sua concepção, reúnem-se diferentes Estados membros que tenham valências complementares, para dar resposta a determinadas questões, sobretudo nas áreas da segurança, migrações e estabilização para a paz.

Actualmente, Portugal participa em dois fundos fiduciários muito distintos – o Fundo Fiduciário de Emergência para África (ou EU Emergency Trust Fund for Africa), centrado em países da África Ocidental, e o Fundo Fiduciário da UE para a Colômbia (ou EU Trust Fund for Colombia). O primeiro visa essencialmente fazer face às causas da migração irregular e apoiar o processo de desenvolvimento dos países originários dessa migração, através de medidas que considera serem de apoio à estabilidade, resiliência, desenvolvimento económico e gestão migratória. Já o segundo define como objectivo o de contribuir para a estabilização da Colômbia pós-conflito, um programa despoletado pelo início do processo de paz no país. No que diz respeito ao Fundo Fiduciário para África, foi já aprovado um projecto promovido pelo Camões, I.P., a ser implementado na Gâmbia. O “Building a Future – Make it in the Gambia”, que propõe melhorar o “desenvolvimento económico e as perspectivas de futuro para a população jovem da Gâmbia”, tem um financiamento global de cerca de 23 milhões, e será implementado conjuntamente por 3 Estados-membros da UE – Alemanha, Bélgica e Portugal. A componente da responsabilidade de Portugal está a cargo do Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), com uma subvenção directa de 5 milhões de euros.

Ainda no âmbito do Fundo Fiduciário para África, está também em fase de contratação o segundo projecto – o “GESTDOC” – que terá um financiamento a rondar os 5 milhões de euros e centra-se essencialmente na modernização dos documentos de identidade, em Cabo Verde e na Guiné-Bissau. Desta feita, a responsabilidade da sua gestão está a cargo do Camões, I.P., da ONGD Fundação Fé e Cooperação (FEC) e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM). Embora os dados disponibilizados pelo Camões, I.P. não incluam ainda este segundo projecto, este foi já noticiado em Junho de 2018, em comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Lusa1, e no portal do Camões, I.P. (a notícia deixou, no entanto, de estar disponível neste site).

Relativamente ao Fundo Fiduciário para a Colômbia, Portugal participa no projecto “Territórios de Caquetá Sustentáveis para a Paz” que visa contribuir para a “consolidação da paz estável e sustentada na Colômbia, através do fortalecimento do desenvolvimento socioeconómico e ambiental dos territórios amazónicos em situação de pós-conflito”. Este projecto é implementado também pelo IMVF, contando com uma subvenção directa de 3,15 milhões de euros.

A gestão e o acesso às novas modalidades de financiamento

Os recursos humanos necessários para a gestão e implementação destes acordos não se coadunavam com a configuração do Camões, I.P. que viu diminuir a sua capacidade institucional, após a fusão do Instituto Camões e do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, ao mesmo tempo que se assistia à reconfiguração da Cooperação Portuguesa. De forma a colmatar esta lacuna, têm sido contratados novos quadros, alguns dos quais dedicados exclusivamente à gestão dos acordos de Cooperação Delegada.

A execução destes acordos exige uma equipa multidisciplinar e uma articulação eficaz com as estruturas ao nível do terreno e com outros actores, nomeadamente da sociedade civil, não só no momento da implementação, mas também a montante, na definição das suas prioridades. De facto constatam-se lacunas ao nível da negociação e da auscultação das prioridades por parte de outros actores (nomeadamente a sociedade civil local), uma vez que os acordos só são conhecidos após terem sido firmados e negociados no seio da Comissão Europeia, sem ter existido espaços prévios de concertação e de discussão conjunta. A definição das prioridades – que sectores são prioritários? quais as áreas geográficas abrangidas? quais os montantes a disponibilizar? quais os objectivos? – é realizada pela Comissão Europeia, com a colaboração dos Estados membros, sem terem sido consultadas outras partes. Da documentação disponível não é clara também se existe uma preocupação de coerência com Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa, documento de política nacional em vigor.

No que diz respeito ao envolvimento de outros actores para a execução dos programas de Cooperação Delegada e dos Fundos Fiduciários, não são ainda transparentes os procedimentos e critérios de selecção das entidades a quem o Camões, I.P. entrega vultuosos recursos, nem são conhecidos quaisquer concursos públicos nesse sentido. São assim opacos os procedimentos de contratação e de envolvimento dos diversos actores e a informação, seja sobre as oportunidades de financiamento, seja sobre contratos, também não está disponível no site do Camões, I.P. Há, portanto, a necessidade de melhorar os aspectos relacionados seja com os critérios e formas de contratação, seja com a transparência da informação, na medida em que se trata de uma modalidade com cada vez mais peso na Cooperação Portuguesa.

Está ainda em discussão o Manual de Procedimentos para a contratação no âmbito destes acordos, porém, até à data, os diversos actores da Cooperação Portuguesa não tiveram acesso a informação pertinente nem foram envolvidos nesse debate, embora algumas organizações não-governamentais tenham já recebido contratos de financiamento para implementação de projectos.

Considerações Finais

Na recente avaliação intercalar da Cooperação Portuguesa, feita pelo CAD/OCDE (em Junho de 2018), ficou claro que Portugal aposta numa nova política para a sua Cooperação em dois aspectos principais: uma vontade de agir como agente implementador da Cooperação Europeia e de se focalizar no sector privado para o Desenvolvimento. O primeiro aspecto é visível pelo envolvimento crescente de Portugal na Cooperação Delegada e nos Fundos Fiduciários promovidos pela UE, tal como revelam os dados acima. No entanto, quer num caso quer noutro, e tratando-se de dinheiros públicos europeus, a contratualização e execução dos programas continuam a ser processos ainda pouco transparentes.

Primeiro, e tendo em conta que a execução dos programas passa pela parceria com outros agentes na área da cooperação internacional, não existem concursos públicos com procedimentos e critérios claros para a selecção, contratação e envolvimento dos potenciais parceiros. Segundo, uma vez escolhidos os parceiros, o acesso aos contratos (públicos) não está disponível e o pedido de disponibilização acaba por resultar num processo moroso e repleto de obstáculos. Terceiro, não são conhecidos até à data resultados de avaliação dos acordos de Cooperação Delegada já finalizados, nem o seu impacto nos sectores e países de intervenção.

Em relação ao segundo aspecto, que é debatido noutras secções desta edição do Mundo Crítico, um maior foco no sector privado para o desenvolvimento tem significado uma nova estratégia financeira. Esta estratégia passa, tal como diz a Avaliação Intercalar do CAD/OCDE, pelo fortalecimento da instituição financeira para o desenvolvimento SOFID, para apoiar o desenvolvimento do sector privado, em particular nos PALOP. O que falta saber é se apoio financeiro respeita ou não a estratégia de desenvolvimento nacional desses países (em linha com a necessidade de respeitar o princípio da apropriação tal como consagrado no Acordo de Paris de 2005, e reiterado nos fóruns de Eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento de Acra, em 2008, e Busan, em 2011) e se o principal beneficiário será o sector privado local ou antes as empresas portuguesas.

A diminuição progressiva da utilização de linhas de crédito ou empréstimos concessionais por parte de países como S. Tomé e Príncipe, bem como os reembolsos da dívida por parte de Angola a Portugal, provocam uma diminuição da APD bilateral. Na nossa óptica, esta deve ser uma oportunidade para manter os níveis de APD bilateral, desligando-a progressivamente e alinhando-a com aquelas que são as prioridades dos países com os quais mantém relações de cooperação. A canalização de mais fundos para a APD multilateral, com peso significativo para o Orçamento da UE, que é a fonte de financiamento da Cooperação Delegada, é uma estratégia desta legislatura que não mereceu, até à data, uma discussão com outros actores do sector.

A importância deste debate não é uma questão técnico/financeira, pois que importa perceber em que medida ela pode estar a representar uma alteração política profunda nos compromissos nacionais no âmbito do financiamento do desenvolvimento, com desvalorização das prioridades dos países parceiros e da coerência e autonomia da cooperação portuguesa.

1 CONCORD (2018), CONCORD AidWatch Report – EU Aid: a Broken Ladder?, disponível em https://goo.gl/cvQNMs
2 Oliveira, A. F. (2017), A Cooperação Portuguesa no início da era pós-2015, disponível em https://goo.gl/w4RsFZ