O desenvolvimento como liberdade

Amartya Kumar Sen,
1999, edição 2003, Gradiva.

Carlos Sangreman

Licenciado em Economia no ISEG e doutorado em Estudos Africanos no ISCTE. Professor aposentado na Universidade de Aveiro e investigador e dirigente do CEsA – Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina. Tem desenvolvido consultoria internacional nos PALOP e Timor-Leste. Foi assessor para a cooperação do MTSSS (1998/03). É autor de artigos e livros sobre as temáticas do desenvolvimento.

Filósofo e economista nascido na Índia em 1933, concebeu no início dos anos 90 (juntamente com o
paquistanês Mahbub ul Haq) o Índice de Desenvolvimento Humano, recebeu o Prémio Nobel da economia em 1998 pelo seu trabalho em economia do bem-estar e escreveu este livro em 1999. Em geral, as suas obras estão muito centradas na fome/sobrevivência alimentar, nos direitos humanos
e na desigualdade, tendo sempre uma grande preocupação sobre a medição dos temas que trata: E nesta obra especificamente passou e passa uma mensagem ao mesmo tempo simples e complicada; “a liberdade de escolher é a grande medida de desenvolvimento”. E a pobreza é vista como uma violação da liberdade, ao diminuir as capacidades de atingir uma vida de bem-estar satisfatório.

Ou seja, se um povo, um grupo social, uma família ou um indivíduo têm mais possibilidades de escolher várias opções em diferentes campos sociais então é mais desenvolvido que outro que tem menos escolhas. É um padrão mental desenhado fora do tempo e do espaço. Aplica-se sempre, em qualquer época, ligado às condições de vida da realidade social conhecida pelos indivíduos e por grupos, seja na geografia da aldeia indiana, seja na maior cidade europeia. E aplica-se a situações claras legisladas de violação de direitos (as mulheres no Irão) ou a outras menos claras que violam os mesmos direitos sem legislação explícita, mas sim pelas condições sociais existentes (as mulheres na Guiné-Bissau). Na realidade, afasta qualquer ideia de padrão de desenvolvimento único a aplicar em todas as sociedades, seja qual for a sua história.

Parte da ideia da “liberdade substantiva” – ou seja uma liberdade que pode ser exercida – e de “agente” como aquele que age como membro do público e como participante activo na vida social, para afirmar que se em vez de pensarmos em utilidade como meio de melhoria de vida para atingir o bem-estar que queremos, pensarmos em liberdade, atingiremos o mesmo nível de bem-estar e considerando os outros na sociedade e não só nós como indivíduo. Como é evidente este raciocínio aponta para uma noção de mercado longe da concorrência sem regras, mas apoia-o como modo de funcionamento da economia, “combinando o uso extensivo dos mercados com o alargamento das oportunidades sociais”.

E não se perde num possível individualismo em nenhum momento ao considerar que as liberdades dependem crucialmente do funcionamento das instituições existentes e do modo como funcionam (mercado, media, sistema de distribuição público, sistema democrático).

É um livro que nos desafia a pensar o desenvolvimento de modo diferente do habitual. Por isso, ainda hoje vale a pena lê-lo devagar reflectindo a cada capítulo.