O futuro indie

Tavares Cebola

Vive em Maputo. Trabalhou durante muitos anos como livreiro e editor de conteúdos em projectos culturais e de tecnologia. Através da RIZOMA, um projecto editorial em Maputo, escreve e edita conteúdos para diversos media. Trabalha, exercendo funções curatoriais, com projectos nos domínios da música, artes visuais e literatura.

No espaço que a Ethale Publishing ocupa, numa área residencial em Maputo, uma entusiasmada livreira faz anotações com um volume de livros sobre a mesa. Yara, a livreira, que trabalha na Ethale há seis meses, conheceu um dos fundadores da editora numa escola técnica na capital moçambicana. “É excelente estar rodeada de livros”, diz. Ao seu lado está Mauro Brito, coordenador editorial e autor de livros.

A Ethale Publishing faz parte de um número de novas editoras que, nos últimos anos, tem dado vigor à publicação no país. A editora Cavalo do Mar, capitaneada pelo poeta e editor Mbate Pedro, que iniciou uma sólida produção há cinco anos, e que de todas conta com o mais vasto catálogo, parece ter sido a precursora mais recente de um movimento que expandiu o que seja o espaço editorial moçambicano e prenuncia dias felizes para autores e leitores.

Coordenadas maioritariamente por antigos (e actuais) activistas do livro e da literatura, trabalhando em sectores ao livro adjacentes – organização de feiras, leituras comunitárias, divulgação, etc – estas editoras, têm, talvez como resultado dessa experiência, alterado a organização e o mapa da publicação no país.

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Sandra Tamele, fundadora da editora Trinta Zero Nove, organiza um concurso de tradução literária desde 2010. “Desde o início a ideia era publicarmos os materiais resultantes do concurso”, diz. Ao fim de várias tentativas – falhadas – para encontrar editoras dispostas a acolher esses trabalhos, Tamele decidiu criar a sua própria para “dar vazão” aos textos e passou a publicar uma colectânea que vai agora no quinto volume.

Dany Wambire foi confrontado pela dificuldade de encontrar uma editora quando escreveu o primeiro livro. A residir numdistrito isolado da província central de Sofala, onde era professor, apostou na auto-publicação. “Quando publiquei o meu primeiro livro estive envolvido a 100% em todo o processo, da revisão à maquetização e à identificação de uma gráfica”, afirma. “Tudo isto é mais ou menos o que faz uma editora”. A editora Fundza, que dirige, surgiu como consolidação dessa experiência na auto-edição.

“Queria fazer livros pelo gosto de fazer livros e, além disso ajudar autores a melhorarem
os seus trabalhos”, diz Pedro Pereira Lopes, autor e editor fundador da Gala-Gala. A editora foi criada em 2020 e, segundo Lopes, a experiência ao longo de muitos anos nos meandros da publicação facilita o percurso dos autores que edita.

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Até há poucos anos, a publicação moçambicana (a escassa publicação) estava centrada na capital, Maputo. Através de uma iniciativa que consistiu em lançar um concurso à escala nacional, a Fundza tem conseguido editar e publicar autores das três regiões do país, reduzindo deste modo as desigualdades no acesso.

“Cria-se uma bolha ao estar-se a fazer tudo em Maputo. O país é multilinguístico e multicultural e é preciso buscar vozes em outros meios. Isso permite-nos ter uma perspectiva mais alargada do país”, diz Mauro Brito, da Ethale. Tendo as suas origens na cidade de Nampula (um dos fundadores é natural de Nampula e o festival que precedeu a fundação da editora ocorria na Ilha de Moçambique, em Nampula), a norte do país, a editora naturalmente lançou-se à procura de novas vozes nessa região e recentemente publicou uma antologia.

Para Sandra Tamele, a priorização a grupos tradicionalmente sem presença no espaço editorial é um factor importante nas escolhas da Trinta Zero Nove para publicação. Daí a escolha de mulheres, mulheres negras e grupos LGBT+.

Apostar em novos autores em outras regiões do país tem o potencial para gerar aquilo a que Dany Wambire chama “leitores de proximidade”. São vizinhos ou amigos e por causa disso esses públicos são impelidos a entrarem para o mundo da leitura.” Na Beira, observa Wambire, leitores sentem uma certa identificação com os autores que lêem e têm a percepção de que a editora, que é local, está ali para servi-los.

Para todas estas editoras, a criação de comunidades de leitura, quer seja em encontros face-a-face ou virtuais, é fundamental para os seus projectos editoriais. Além do contacto com leitores, diz Brito, esses intercâmbios servem de espaço para a identificação de potenciais autores.

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A Trinta Zero Nove e a Ethale Publishing demarcam-se na tradução de autores africanos e de outras partes do mundo para o português. “Uma das razões que levou à fundação da Ethale foi podermos trazer narrativas africanas”, diz Brito. A Trinta Zero Nove dispõe de um conjunto bastante diverso de obras recentemente publicadas vertidas para a língua portuguesa, além de editar áudio-livros.

Estes novos editores confrontam-se, como é comum para projectos independentes, com o problema da sustentabilidade. A Trinta Zero Nove, que conta com uma equipa em regime de freelancer (todas as editoras independentes entrevistadas para este texto operam em semelhante modo), sobrevive graças a apoios à tradução e a fundos para divulgação. “Acho que a sustentabilidade é um desafio para todas as editoras. Ela só será possível se conseguirmos a aproximação aos leitores, se as pessoas comprarem os nossos livros”, diz Tamele.

Financiamento pelos próprios autores, patrocínios, impressão de livros para clientes externos, projectos na área de divulgação do livro e comunicação, entre outros, têm tornado possível a estas editoras sobreviver.

Que condições é que tornariam a actividade de editar mais fácil? Alguns editores acreditam que um amplo programa de compra de livros – inserido num plano nacional de leitura – pelas autoridades junto de editores independentes melhoraria bastante a sua situação financeira.

E será preciso, acreditam, continuar a apostar na alfabetização e formação de leitores.

“Estamos a viver um momento bastante bom… as oportunidades de publicação multiplicaram-se”, afirma Tamele, da Trinta Zero Nove.

No seu conjunto, estas novas editoras expandiram o espaço da publicação em Moçambique, apresentando novas vozes, explorando novos formatos de publicação e chegando a novos territórios.

As possibilidades, de facto, são imensas.