Observatório dos Direitos: um instrumento para medir a evolução dos direitos na Guiné-Bissau

Carlos Sangreman

Licenciado em Economia no ISEG e doutorado em Estudos Africanos no ISCTE. Professor aposentado na Universidade de Aveiro e investigador e dirigente do CEsA – Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina. Tem desenvolvido consultoria internacional nos PALOP e Timor-Leste. Foi assessor para a cooperação do MTSSS (2008/12). É autor de artigos e livros sobre as temáticas do desenvolvimento.

Painel da exposição do Observatório dos Direitos

 

O conceito de inovação evoluiu nas últimas décadas e assumiu uma dinâmica que ultrapassa em muito o campo das tecnologias, estendendo-se a todos os aspectos da vida cultural, social, política/administrativa e à participação de todos os actores públicos nacionais e internacionais e privados, lucrativos ou não. Não vale a pena pensar que só queremos conceber projectos de Cooperação para o Desenvolvimento completamente inovadores, mas sim pensar que é normal haver componentes de inovação em simultâneo com outras que já existiam anteriormente. O projecto da Casa dos Direitos, onde se integra o Observatório dos Direitos, na Guiné-Bissau, tem várias componentes inovadoras. Uma delas é a sua origem. Nasceu de uma ideia de pessoas da sociedade civil portuguesas e guineenses, de um apoio que ninguém esperaria, do governo da Guiné-Bissau ao oferecer, em 2011, uma esquadra/prisão no centro da capital para sede, e da aposta de financiamento feita pela Cooperação Portuguesa e pela Fundação Gulbenkian e o apoio da Universidade de Aveiro. Outra inovação tem sido a capacidade demonstrada, em nove anos de existência, de manter um consórcio de organizações na direcção e planeamento das actividades que desenvolve (como se pode ver no endereço http://casadosdireitos-guinebissau.blogspot.com/ e em http://observatoriodireitos-guinebissau.blogspot.com/.

​O Observatório dos Direitos, concebido e executado por duas organizações do consórcio (LGDH – Liga Guineense dos Direitos Humanos e ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos) e por um centro de investigação (CEsA – Centro de Estudos sobre Africa e do Desenvolvimento, do ISEG/Universidade de Lisboa), com o apoio financeiro da União Europeia, também inovou. Primeiro, ao adoptar a nível local a ideia (nascida sobretudo com os ODM e ODS-Agenda 2030) que, mesmo na área dos Direitos Humanos, se podia e devia recolher dados e informações junto de instituições e famílias/pessoas para sustentar a teoria de tornar o acesso aos Direitos Humanos como o instrumento central para compreendermos e melhorarmos o mundo. E defendeu também que se podia ler dados já recolhidos por outras entidades, de forma a perceber como estavam os Direitos Humanos em áreas como o ensino e a saúde. Em segundo lugar, inovou na organização, ao recorrer à equipa de dinamizadores regionais da LGDH, existente para sensibilizar as populações para o acesso à justiça e aos Direitos Humanos, a que juntou a competência técnica de um estatístico nacional experiente e a assistência técnica dum centro universitário de investigação. Esta aposta nos recursos locais é uma inovação mais rara do que se pode pensar, pois as ONG e as Organizações Internacionais vêem frequentemente nos técnicos expatriados uma forma mais fácil e segura para obter os resultados que querem obter ao financiar projectos.

​Em terceiro lugar, ao editar livros em português com os dados e análise dos mesmos, distribuí-los por todo país e ao conceber uma exposição itinerante com painéis facilmente transportáveis, coloridos e com fotografias tiradas nas zonas inquiridas, concebida graficamente de forma atraente, reproduziu uma ideia já existente, mas pouco usada, de instrumentos não precários de devolução aos participantes dos resultados alcançados por um projecto. Não se fez um simples seminário ou workshop de apresentação de resultados, que se esgota nesse momento, mas procurou-se deixar aos interessados instrumentos (livro e exposição) para apoiar a sua actividade de defesa e promoção dos Direitos Humanos.

​O projecto do Observatório dos Direitos (tal como o projecto da Casa dos Direitos onde se insere) inovou ainda ao ousar entrar em áreas mais comuns para as populações – educação, saúde, habitação, água, justiça, energia, saneamento, alimentação e, neste ano, género – para procurar conhecer como os guineenses têm acesso aos direitos sociais e económicos. Saiu assim da área dos direitos políticos e cívicos (também chamados de primeira geração) que procuram monitorar o acesso a direitos como a liberdade de associação e de expressão. Saliente-se que a inovação principal neste projecto é a existência do próprio projecto.

Como é possível que exista, desde há nove anos, um Observatório dos Direitos num Estado frágil, com uma experiência pós independência de vários golpes de Estado efectivos ou ficcionados, uma guerra civil (1998-1999), um governo entre 2012 e 2014 não reconhecido pelos principais parceiros financiadores do desenvolvimento, com acusações internacionais de tráfico de drogas a altos responsáveis da estrutura militar, com conflitos entre as instituições de soberania (tribunais, governo, assembleia nacional e presidência) que paralisaram a política económica e social, com um conflito institucional a partir de eleições, em 2019, que levou a que o país tenha um presidente que exerce a magistratura sem ter tomado posse na Assembleia Nacional, mas sim num hotel? Só pode explicar-se a sua existência pela persistência dos actores sociais activos na área e pelo facto de ser uma inovação que adquiriu prestígio social suficiente para continuar, mesmo face às oscilações de poder, incluindo o militar.