Partir com o Jornalismo e pelo Desenvolvimento Cinco edições da Bolsa de Criação Jornalística

Carlos Camponez

É subdirector da Licenciatura em Jornalismo e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coordena o Grupo de Investigação em Comunicação, Jornalismo e Espaço Público do CEIS20 e dirige a revista Mediapolis. Jornalista, é membro suplente do Conselho Deontológico do Sindicato
dos Jornalistas.

Chegada à quinta edição, a Bolsa de Criação Jornalística sobre o Desenvolvimento apoiou já, desde 2015, um total de 15 grandes reportagens, em som, imagem, papel e plataformas multimédia, realizadas em Portugal, na Europa e em África. O projeto contribuiu para colocar na agenda mediática as questões do desenvolvimento e da cooperação. Mas foi algo mais: foi um partir em reportagem com os media e os jornalistas com ideias e para sítios que, em condições normais, muito provavelmente, não realizariam e não iriam.

Durante estes anos, o tema do desenvolvimento foi tratado a partir de histórias em Portugal, Bulgária, Croácia, Grécia, Hungria, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Etiópia, Moçambique e Ruanda. Através dessas reportagens, vimos outros mundos, por vezes esquecidos e distantes dos nossos olhares: o cultivo de pequenos terrenos em bairros da região metropolitana de Lisboa; a legalização da mutilação genital feminina, as rádios comunitárias ou a conquista pela luz elétrica, na Guiné-Bissau; as transformações políticas na Etiópia; as esperanças da juventude moçambicana. Visitámos as fronteiras da crise dos refugiados, na Europa, confrontada com os seus valores pelos que fogem da guerra, das perseguições, das catástrofes ambientais, em busca da representação desse Norte que os fez sonhar e partir das suas terras, no Médio Oriente, na Ásia e em África. lhámos para a União Europeia interior, ainda dividida entre as experiências de integração da comunidade cigana, mas onde, contraditoriamente, o desenvolvimento continua a traçar linhas profundas de separação comunitárias.

Um tema fora da agenda

Foram viagens que fizemos pelos sentidos de jornalistas e dos leitores, dos ouvintes e dos telespetadores de órgãos de comunicação social como o Público, o Diário de Notícias, o Jornal I, a TSF, a SIC e também a Al Jazeera ou o La Reppublica.

A Bolsa de Criação Jornalística realizou-se no âmbito do projeto Aquele Outro Mundo Que É o Mundo – O mundo dos media e do desenvolvimento, uma iniciativa da Associação para a Cooperação entre os Povos que reuniu o Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, do ISEG/Universidade de Lisboa, o Centro de Estudos Interdisciplinares dos Século XX, da Universidade de Coimbra, e a Coolpolitics, financiado pelo Instituto Camões e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Sofia Ascenso, Fundação Calouste Gulbenkian

O projeto começou por identificar um conjunto de problemas recorrentes na cobertura noticiosa sobre temas de desenvolvimento e procurou encontrar respostas a partir de uma reflexão que juntou jornalistas, responsáveis de comunicação das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) e a academia. Um inquérito procurou perceber as razões que explicam o pouco conhecimento sobre os problemas do desenvolvimento nas redações portuguesas; o reduzido diálogo entre organizações da sociedade civil e jornalistas; o desconhecimento nas redações sobre o trabalho das ONGD; o reduzido impacte das estratégias de comunicação das ONGD.

O estudo suscitou uma discussão aberta sobre a forma como o desenvolvimento é comunicado e tratado em termos públicos, quer pelas ONGD quer pelos media, em Portugal. No que ao jornalismo diz respeito, apesar da quase invisibilidade destes temas nos media nacionais, o estudo refere, com base nas entrevistas realizadas, que se denota uma melhoria, registada nos últimos anos no que se refere à qualidade da informação, bem como a profundidade e preocupação ética no tratamento dos temas.

Entre mercado e cidadania

Ainda é possível identificar, num passado relativamente recente, a presença entre os jornalistas de uma cultura socioprofissional que via os prémios ou ajudas à realização de trabalhos jornalísticos como uma forma, suspeita, de intromissão das instituições e organizações exteriores nas redações e na agenda dos media.

No entanto, o estudo revelou que, hoje – num contexto de concorrência entre os media e de orçamentos reduzidos para as redações – o jornalismo sobre desenvolvimento existe se for subsidiado. Esta é, por vezes, a única forma de fazer com que o desenvolvimento e a cooperação surjam tratados nos media de modo que não seja apenas pelas agências internacionais e em situações que não envolvam fome, epidemias, catástrofes ambientais e guerras ou crises políticas.

Neste contexto, a Bolsa de Criação Jornalística sobre o Desenvolvimento, ao privilegiar o concurso de ideias sobre projetos de reportagem, procurou funcionar como um estímulo para que jornalistas apresentassem projetos que, sem outros apoios, dificilmente seriam concretizados.

Os trabalhos realizados mostraram que existe uma sensibilidade grande nas redações sobre as questões do desenvolvimento e da cooperação. Mas revelaram também que urge reinventar parcerias e modelos de negócio dos media que consigam compaginar audiências e interesse público, comunicação orientada para o mercado e comunicação orientada para a democracia e a melhoria da cidadania.