A rede britânica de organizações não governamentais pelo desenvolvimento internacional – BOND criou um grupo de discussão sobre abordagens éticas para recolha e uso de imagens, histórias e outros conteúdos, que em 2019 produziu o guia “Putting the people in the pictures first”. Num mundo onde cada vez mais as imagens são difundidas quase instantânea e globalmente sem limitações de público, este documento surge como ferramenta para as organizações do sector procurarem garantir que os conteúdos são produzidos de forma ética. Um guia mais pragmático, do que propriamente teórico-jurídico. Um nível humano, altruísta, de respeito, para proteger os interesses do outro. Este “outro” representa as pessoas presentes nas imagens e histórias produzidas, muitas vezes referidos no texto como “contribuidores” (porém, optamos aqui pelo termo “protagonistas”), um termo utilizado que demonstra o seu papel activo na contribuição para a criação de conteúdo.
Dividido em cinco capítulos, este guia cobre assuntos como a comunicação consciente, vulnerabilidades, consentimento, riscos no sector, responsabilidade e formas de evitar estereótipos.
E o que significa pôr as pessoas retratadas em primeiro, como nos diz o título deste documento? Segundo o texto, significa respeitar o valor dos protagonistas, garantindo a sua segurança e bem-estar durante todo o processo de recolha de conteúdos. Garantir que o bem-estar dos protagonistas prevalece sobre as exigências de comunicação das ONGs.
O processo de criação de conteúdo deve ser longo com cuidados éticos a ter antes da interacção e recolha com os participantes, durante e depois.
Antes
Na fase de preparação e planeamento da recolha de conteúdos, é sugerido dedicar algum tempo a conhecer os protagonistas e as suas circunstâncias antes da recolha de conteúdos. É importante informar sobre o papel que a ONG terá na comunidade, o objectivo da recolha de imagem/história e a forma como esta será comunicada a outros. Também é importante não criar muitas expectativas. Grande parte dos projectos associados à criação de imagens não conduzirá a uma assistência direta para os participantes ou para as suas famílias. É essencial que não haja dúvidas sobre os direitos de todos os envolvidos e de que exista um espaço para perguntas.
Durante
Depois de uma preparação o mais completa possível, durante o processo de recolha de histórias e imagens, há muitos cuidados a ter. O texto sublinha a importância de ouvir atentamente os relatos dos protagonistas e registar o que é dito com exatidão, enquanto os mesmos são reconhecidos pelo seu conhecimento e experiência sobre as questões que afectam as suas próprias vidas, com opiniões ponderadas e críticas. O uso de entrevistas mais profundas que contam histórias completas deve ser sempre preferencial a histórias superficiais que apenas se foquem num tópico. E talvez a consideração mais relevante a ter, é a de durante a recolha o bem-estar e segurança dos protagonistas deve ser sempre o objectivo principal, prioritário sobre qualquer necessidade de uma imagem ou história.
Depois
Após a recolha é sugerido que não haja um corte repentino com quem participou. As ONGs devem explicar o que vai acontecer a seguir e ser honestas e verdadeiras nas suas explicações. Sempre que possível, é sugerido que sejam devolvidas aos protagonistas cópias do produto final e imagens tiradas e que seja também transmitido o direito a retirar consentimento da sua participação depois de a organização se retirar. Não poderão remover comunicações existentes, mas não será utilizada a sua imagem em quaisquer comunicações futuras.
Além dos cuidados normais a ter, ainda existem acréscimos para certas situações. As ONG têm a responsabilidade de avaliar os risco, para os protagonistas individuais, da sua participação na produção de imagens e da sua imagem e/ou história serem partilhadas. É necessário que os membros das ONGs tenham a sensibilidade necessária para utilizar uma lente interseccional na identificação de vulnerabilidade e contextos frágeis. Por exemplo, crianças, idosos, mulheres, pessoas com traumas, doenças ou que vivam em zonas de conflito, necessitam de cuidados complementares e uma preparação mais intensa por parte da ONG antes de estabelecerem contacto.
A mensagem mais forte do guia é talvez o facto de que o trabalho ético beneficia todos. Fora da parte legal do uso da imagem, é necessário empatia, inteligência emocional, sensibilidade e respeito por parte das ONGs, pois as linhas da ética são muito ténues e necessitam de capacidade por quem recolhe conteúdos para as interpretar e saber adaptar.