A medição do impacto tem-se apresentado, na maioria das vezes, como um enorme desafio na medida em que diferentes doadores têm objectivos e abordagens distintos, competindo, por vezes, entre si, por influência.
Quanto valem os actos de generosidade nas relações internacionais? No caso dos países mais ricos, a ajuda externa contribuiu para disseminação do seu poder e influência. Em parte, os financiadores concedem ajuda externa porque lhes traz benefícios. Segundo a cientista política Carol Lancaster, a conjugação entre política interna e pressões externas define a forma e os motivos pelos quais os países doadores financiam a ajuda internacional, e que esta assentou, na sua génese, no “pragmatismo e realismo diplomático”.
A proposta da administração Trump de reduzir a ajuda externa em mais de um terço (incluindo cortes drásticos na área da saúde e da ajuda humanitária) representa um significativo distanciamento do objectivo de utilizar a ajudar externa como um instrumento de “smart power”, ou seja, como estratégia que articula a capacidade de exercício da força com estratégias de influência dos “corações e das mentes” em locais longínquos do globo. Do outro lado do espectro encontra-se a Noruega, um país pequeno, mas rico, que, consistentemente, tem realizado esforços no sentido de reforçar o seu “soft power” desde a sua mediação no acordo de paz entre Israel e a Palestina, assinado na década de 1990. Entre estes dois pólos encontra-se a China, país que tem utilizado a ajuda externa como instrumento para adquirir “soft power” à medida que reforça o seu papel na cena internacional.
O nosso processo de investigação
Estudámos, recentemente, a ajuda ao desenvolvimento norueguesa e chinesa destinada a dois países da África Subsariana – o Malawi e a Zâmbia. O nosso objectivo era enriquecer o debate internacional sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, e compreender o modo como a ajuda externa influencia o desenvolvimento nacional e reduz a pobreza. Os dois países estudados utilizam estratégias amplamente distintas. Se a Noruega disponibiliza montantes significativos de ajuda ao desenvolvimento aos orçamentos dos países em desenvolvimento e financia organizações da sociedade civil, a China utiliza uma combinação de subsídios e empréstimos concessionais, priorizando a criação de infraestruturas em países pobres. Adoptando uma abordagem metodológica mista, estudámos elementos relativos aos contextos locais para identificar e analisar a ligação entre as políticas, as intervenções concretas e os seus impactos na diminuição da pobreza.
A abordagem norueguesa à ajuda externa
Tendo em conta a sua dimensão e reduzido poderio militar, a Noruega tem procurado promover as virtudes do modelo nórdico: um mundo pacífico, regulado, globalizado e próspero. Com esse propósito, tem disponibilizado uma quantia significativa de ajuda externa, que ultrapassa, anualmente, 1% do seu Produto Interno Bruto para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Fá-lo segundo os Princípios de Paris, acordados em 2005, visando melhorar os impactos através da formulação de políticas de ajuda externa alicerçadas em cinco pilares: apropriação (owernship); alinhamento; harmonização; gestão por resultados e responsabilização mútua (mutual accountability).
Tais actos de generosidade conferem à Noruega um lugar à mesa, habitualmente reservado para os grandes actores, na negociação de processos de paz ou nos esforços de promoção do desenvolvimento e na redução da pobreza mundial. Ao fortalecer o seu “soft power”, a Noruega atrai a atenção dos Estados Unidos e desempenha um papel de maior preponderância do que seria expectável, tendo em conta a sua dimensão. Através do esforço consistente na promoção do desenvolvimento global, tem reforçado o seu reconhecimento internacional, granjeando assim, em conjunto com a Suécia, a reputação de “super-potência humanitária”.
Enquanto determinados partidos de direita na Noruega têm, ocasionalmente, questionado a abordagem seguida pelo país, tanto académicos como a agência nacional para ajuda externa enfatizam a necessidade de documentar de forma mais eficaz os resultados a longo prazo dos esforços realizados pelo país neste sector. Há também quem afirme que se o país não fizer uma distinção entre “sentir-se bem” através de actos de generosidade e “fazer bem”, através de um enfoque na observação, avaliação e aprendizagem, a qualidade da ajuda ao desenvolvimento não evoluirá de forma positiva.
“A coligação de centro-direita, que governa actualmente o país, tem procurado reforçar o alinhamento da ajuda externa com os interesses nacionais da Noruega, encorajando um maior envolvimento das suas empresas nos países em desenvolvimento”
Nos últimos anos, a Noruega tem utilizado fundos destinados à ajuda externa e a bens públicos globais dentro das suas fronteiras; em 2015 dedicou, aproximadamente, um quinto do orçamento da ajuda externa na cobertura de custos relacionados com a integração de um número elevado de refugiados e migrantes. A coligação de centro-direita, que governa atualmente o país, tem procurado reforçar o alinhamento da ajuda externa com os interesses nacionais da Noruega, encorajando um maior envolvimento das suas empresas nos países em desenvolvimento. Entre os partidos da oposição, como os Democratas Cristãos, há quem critique esta postura, advogando que o intuito da ajuda ao desenvolvimento é a mitigação do sofrimento, rejeitando a primazia dos interesses comerciais em relação ao altruísmo. Diversas organizações da sociedade civil têm enfatizado a ideia de que a ajuda externa não deveria ter o lucro como incentivo.
Num contexto de disputas sobre a melhor forma de conciliar a ajuda externa e os interesses nacionais, a Noruega tem registado uma queda no ranking do compromisso dos países com o desenvolvimento do “Center for Global Development”, um dos mais citados por activistas da ajuda ao desenvolvimento e organizações da sociedade civil. Estes resultados vêm fragilizar a imagem de superpotência humanitária tão cuidadosamente construída pela Noruega.
A abordagem chinesa à ajuda externa
Inversamente, a China não segue os Princípios de Paris. Pelo contrário, faz uma distinção muito ténue entre subsídios e empréstimos, para além de não disponibilizar informação detalhada sobre os desembolsos da ajuda aos países. Em troca da ajuda concedida, a China espera que os países pobres facilitem o acesso a recursos naturais essenciais ao seu crescimento económico, como o petróleo, os minérios e os produtos agrícolas.
A sua estratégia passa por convencer os países receptores de que têm a possibilidade de definir as suas próprias estratégias desenvolvimentistas sem interferência externa. Ao fazê-lo, o país asiático procura aumentar a sua influência global, enfatizando os benefícios do que apelida como Cooperação Sul-Sul.
Ao estudarmos o impacto da ajuda e dos investimentos chineses na agricultura e nas infraestruturas verificamos que a sua abordagem se caracteriza pelo pragmatismo e não pela generosidade. O país não defende a utilização de condicionalidades na atribuição da ajuda, associadas à boa governação ou ao combate da corrupção. Contrariamente aos doadores ocidentais, a China controla o processo de implementação, contornando a administração pública dos países receptores e adjudicando os contratos as empresas chinesas.
Aqueles contratos beneficiam as empresas chinesas que tenham pretensão de expandir a sua actividade para novos mercados. Tendo em conta que a China não possui actualmente uma agência dedicada à ajuda externa1 e que o seu corpo diplomático se encontra sobrecarregado, tem recorrido cada vez mais às empresas para aceder a informação contextual e a estudos de viabilidade que suportam a justificação, pelos oficiais das embaixadas, da pertinência de determinados projectos de ajuda junto dos decisores em Pequim.
Apesar de acusações de “rogue aid” e de ambições neo-colonialistas, a percepção dos países africanos relativamente às intervenções chinesas é geralmente positiva. Vários políticos e administradores africanos acreditam ter agora maior liberdade para definir o seu caminho, dispondo de doadores diversos que disponibilizam modalidades distintas de assistência. Neste sentido, existe uma preferência, por parte dos governos africanos, da ajuda disponibilizada pelos doadores ocidentais em questões relacionadas com a educação, a saúde ou a igualdade de género, valorizando a expertise chinesa em formas de desenvolvimento de maior visibilidade: estradas e edifícios.
O que podemos retirar de cada uma das abordagens?
Ainda que o altruísmo possa fortalecer o “soft power” de um país, o desenvolvimento global requer muito mais que actos de generosidade. À medida que os países receptores de ajuda externa se tornam mais assertivos, e que a ajuda externa se torna mais alinhada com interesses nacionais dos doadores, vamo-nos progressivamente aproximando de um ponto de convergência entre a abordagem ocidental e chinesa em África.
Por outro lado, nos últimos anos, os doadores ocidentais têm enfatizado a importância da monitorização e avaliação do impacto da ajuda prestada. No entanto, a medição do impacto tem-se apresentado, na maioria das vezes, como um enorme desafio na medida em que diferentes doadores têm objectivos e abordagens distintos, competindo, por vezes, entre si, por influência. O impacto da ajuda chinesa é particularmente difícil de medir na ausência de informação credível disponível.
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october 27, 2017
Disponível em https://goo.gl/JF6KCQ
Agradecemos aos autores e ao “Monkey Cage” do jornal The Washington Post a autorização para traduzir e publicar este artigo.
Originally published as “Why do nations invest in international aid? Ask Norway. And China.” on October 27, 2017 in The Monkey Cage at The Washington Post. Translated and reprinted with permission