Radi-Aid: e se os “africanos” doassem radiadores à Noruega?

Ana Filipa Oliveira

Trabalha na ACEP, desde 2009, onde desenvolve projectos na área da comunicação, advocacia e direitos humanos, após uma passagem pelo jornalismo em Macau. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, é licenciada em Jornalismo pela Universidade de Coimbra.

Surgiu em 2012 com a campanha satírica de angariação de fundos para a compra de radiadores para a Noruega. A Radi-Aid: Africa for Norway cumpria o seu objectivo primeiro: desafiar as percepções em torno das questões da pobreza e do desenvolvimento, lançando o debate sobre a forma como as campanhas de angariação de fundos (sobretudo das organizações internacionais) comunicam e, muitas vezes, perpetuam estereótipos sobre lugares e pessoas. No vídeo inicial está lá tudo o que encontramos numa campanha “tradicional”, mas ao contrário: uma música inspiradora cantada por um grupo de pessoas negras, intercalada com imagens de noruegueses a desafiar nevões e, por fim, a entrega de radiadores, por pessoas negras com t-shirt estampada da campanha Radi-Aid.

O vídeo, e os que se seguiram, foram seleccionados, em 2012, com uma das melhores práticas de comunicação para o desenvolvimento pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), como um dos “anúncios que vale a pena espalhar ao mundo” pelo TEDx, em 2014, e, no mesmo ano, apelidado como uma das melhores sátiras sobre ajuda ao desenvolvimento pelo The Guardian. Desde então, a iniciativa, criada pelo Fundo Norueguês de Assistência a Estudantes e Investigadores (SAIH, na sigla em inglês), lançou anualmente os Prémios Radi-Aid (entre 2013 e 2017), premiando os melhores e os piores vídeos satíricos e de sensibilização sobre questões relacionadas com o Desenvolvimento.

Em 2017, desenvolveu o breve Guia das Redes Sociais para Voluntários e Viajantes, que deveria ser cartilha para todos aqueles que fazem voluntariado ou querem viajar por países ditos “em desenvolvimento”. Nele encontramos uma checklist que deve ser revisitada antes de fazer qualquer publicação nas redes sociais, como:
• deve perguntar-se: “gostaria de ser retratado da mesma forma?” ou “qual é a minha intenção ao publicar estas imagens?”;
• evitar fotografar pessoas em locais ou situações de grande vulnerabilidade como hospitais;
• não retratar-se a si próprio como herói daquela história;
• ter o consentimento das pessoas retratadas. Se não conseguir explicar-lhes, procurar alguém que traduza a nossa intenção.
(Estes são apenas alguns exemplos que vemos muitas vezes ser atropelados não só nas redes sociais, mas também em programas de televisão de grande audiência, em Portugal…)

Ao longo de cinco anos, os promotores do Radi-Aid abordaram questões relacionadas com a comunicação para o desenvolvimento, a partir de materiais produzidos, como os vídeos com recurso ao humor, da investigação e do debate. Defendiam que as campanhas de angariação de fundos (e não só) podem ser contraproducentes, por retratarem de forma simplistas as verdadeiras causas da pobreza e dos desafios do Desenvolvimento. É importante, sublinhavam, ter diferentes matizes e não um guião simplista, repleto de meias-verdades.

Dos inúmeros vídeos e campanhas que analisaram, chegaram à conclusão que na sua grande maioria as pessoas mais pobres e em situação de vulnerabilidade são retratadas como agentes passivos de ajuda ao desenvolvimento, sem capacidade de mudar a sua situação ou o país onde vivem – e é aí que é erguido o muro entre nós (que ajudamos, a partir do mundo desenvolvido) e eles (que apenas recebem ajuda de braços abertos).

Porém, a Radi-Aid foi também identificando mudanças positivas nos anos em que esteve activo. As ONG e outros actores do Desenvolvimento têm investido na comunicação; nem sempre corre bem, mas, segundo a iniciativa, os últimos anos têm demonstrado cada vez mais exemplos de representações criativas e mais próximos da(s) realidade(s).

Como podemos fazer melhor?
Ao longo dos anos em que receberam inúmeros candidaturas aos Golden Radiators (o prémio para as melhores e piores campanhas), o Radi-Aid desenvolveu um conjunto de indicadores que caracterizam uma boa campanha de comunicação sobre Desenvolvimento, como evitar a história única (como já nos tinha explicado a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie) e apresentar as pessoas com agência e com papel activo na busca de soluções, rejeitando a figura do “herói branco” que fala em seu nome. Também o recurso ao humor e a uma perspectiva positiva (em vez de apelar a sentimentos de pena ou culpa) é sugerido como uma boa prática de comunicação.

A Radi-Aid terminou em 2018, com o lançamento de um estudo sobre comunicação visual – Which Image do You Prefer? – no qual ouviram as opiniões de jovens e adultos oriundos de seis países africanos (Gana, Zâmbia, Malawi, Etiópia, Uganda e África do Sul) a partir de imagens usadas por campanhas de ONG internacionais. A maior parte dos respondentes apelaram às ONG para diversificar as suas estratégias de comunicação. Sugeriram, por exemplo, a utilização de mais imagens de cooperantes e de médicos locais e, acima de tudo, a urgência de manter a dignidade das pessoas retratadas.

Embora a Radi-Aid já tenha terminado, todos os recursos (vídeos, relatórios, prémios) foram mantidos no site da iniciativa (https://www.radiaid.com/) para consulta e não perdem actualidade.