Desde 2013 que a Oxfam Internacional tem em curso uma campanha global contra a desigualdade extrema: Equilibre o Jogo! (ou Even it Up! em inglês). Com esta campanha, a Oxfam Internacional, uma confederação de 19 organizações não-governamentais que trabalham em mais de 90 países, tem vindo a chamar a atenção para o impacto negativo da desigualdade global no crescimento económico, na luta contra o crime e pobreza e na vontade de se alcançar a igualdade entre homens e mulheres.
Para a Oxfam Internacional, esta desigualdade é acima de tudo uma consequência de escolhas políticas e económicas que tendem a favorecer os mais poderosos e ricos em detrimento da maioria das populações, principalmente dos mais pobres. No princípio de cada ano, a Oxfam Internacional publica um relatório sobre o estado da desigualdade global de forma a coincidir com o Forum Económico Mundial em Davos na Suiça. Este Fórum, em Janeiro, reúne os principais líderes políticos e económicos globais bem como intelectuais, jornalistas e outros profissionais selecionados para discutir uma agenda cheia de debates e conversas sobre os temas considerados mais relevantes na actualidade e nos próximos anos.
Este ano, o relatório da Oxfam Internacional intitula-se Tempo de Cuidar – o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade com um tema que não podia ser mais atual e propositado durante estes tempos pandémicos. O relatório pode ser dividido em três partes. Na primeira parte, apresenta-se o estado da desigualdade económica global. Na segunda parte, discute-se de que forma a desigualdade de género é um reflexo dessa desigualdade económica. Esta questão é depois explorada em mais detalha na terceira parte através da análise do trabalho não remunerado ou mal pago às adolescentes e mulheres pelas tarefas domésticas e cuidados a familiares.
O relatório começa por revelar, de forma muito direta e taxativa, como o fosso entre os mais ricos e o resto da população global é cada vez mais profundo. Para 2019, os dados são claros: 2153 multimilionários tinham mais riqueza acumulada do que 4.6 mil milhões de pessoas, o 1% mais rico do mundo tem mais do que o dobro da riqueza de 6.9 mil milhões de pessoas e os 22 homens mais ricos do mundo possuem mais riqueza que todas a mulheres que vivem em África. Este último dado, espelha também o facto de que a desigualdade extrema tem na sua base a desigualdade de género. O relatório argumenta que, a nível global, os homens controlam mais 50% da riqueza do que as mulheres e que eles também ocupam a maior número de posições de poder político e económico.
Os dados demonstram que os homens tendem a beneficiar mais do sistema economia vigente. No entanto, esse sistema depende de um trabalho não remunerado desempenhado pelas mulheres e que segundo os cálculos da Oxfam ascende a cerca de 10.8 biliões de dólares norte-americanos anuais, um valor 3 vezes mais alto do que o estimado para o sector tecnológico. Cálculos que podem estar até subestimados devido à falta de dados. Isso é particularmente visível quando se analisa o trabalho não remunerado ou mal pago às adolescentes e mulheres pelas tarefas domésticas e cuidados a familiares e que são essenciais para a economia e sociedade. Elas são responsáveis por mais de três quartos do trabalho não remunerado e representam dois terços da força de trabalho paga na área da assistência social. Este trabalho não remunerado ou mal pago é ao mesmo tempo assumido em grande parte por adolescentes e mulheres pobres e muitas vezes vítimas de discriminação com base na sua raça, étnica, nacionalidade, sexualidade ou casta. Como diz o relatório: “se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas tarefas diárias essenciais, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas”.
No entanto, este tipo de atividades lideradas por mulheres continua a ser desvalorizada por governos e empresas e vistas mais como custos e não investimentos. Os impactos do envelhecimento da população, da redução e cortes nos serviços públicos de assistência social, das alterações climáticas já estão a aumentar o peso sobre as mulheres envolvidas nestas atividades. O relatório propõe uma economia feminista baseada na igualdade de género como caminho para uma economia mais humanista e que valorize o trabalho das mulheres nas tarefas domésticas e cuidados a familiares. Essa economia deve obedecer ao marco transformador dos “4R”: reconhecer este trabalho não remunerado e mal pago, reduzir o número total de horas dedicadas a trabalho não remunerado, redistribuir o trabalho não remunerado de mais justa dentro da família e dar maior responsabilidade ao Estado e sector privado e representar as trabalhadoras mais marginalizadas.
O relatório finaliza com seis recomendações destinadas a ajudar os direitos de quem se dedica a tarefas domésticas e cuidados a familiares a reduzir o fosso com a elite rica que mais tem beneficiado desse trabalho:
- “Investir em sistemas nacionais de prestação de cuidados para solucionar a questão da responsabilidade desproporcional pelo trabalho de cuidado realizado por mulheres e meninas”;
- “Acabar com a riqueza extrema para erradicar a pobreza extrema”;
- “Legislar para proteger os direitos de todas as cuidadoras e cuidadores e garantir salários dignos”;
- “Garantir que cuidadoras e cuidadores tenham influência em processos decisórios”;
- “Desafiar normas prejudiciais e crenças sexistas”;
- “Valorizar o cuidado em políticas e práticas empresariais”.
A atual pandemia global veio tornar ainda mais relevante, através das medidas de confinamento, o papel das mulheres não só nas tarefas domésticas e cuidados a familiares mas também em todo o sistema de assistência social, principalmente nos lares de idosos.