“Muitos projectos de Desenvolvimento (não) comunicam com as pessoas envolvidas nos programas.”
Um cartaz à beira da estrada
Um cartaz colocado à beira da estrada, em Neves, noroeste da ilha de S. Tomé, refere–se ao “Projecto de Demo[n]stração para a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos na Bacia do Rio Provaz”, apelando a que a população (ou quem o lê) “Ajude a salvá-lo para o bem das pessoas e da cidade”. Como? Não ficamos a saber. Porquê? Também não se sabe.
Este é apenas um exemplo ilustrativo da forma como muitos projectos de Desenvolvimento, promovidos pela sociedade civil ou da iniciativa governamental, (não) comunicam com as pessoas envolvidas nos programas. A Comunicação para o Desenvolvimento (C4D, na designação inglesa) é – ou deve ser – parte integrante de uma abordagem programática para promover a mobilização social, a alteração de comportamentos e para facilitar o diálogo, a participação e o envolvimento entre os diferentes grupos envolvidos nas acções e actores do Desenvolvimento.
Embora se reconheça a sua importância, nas últimas décadas, a comunicação tem sido o parente pobre dos programas de Cooperação para o Desenvolvimento, facto reconhecido tanto pelas Organizações Não Governamentais (ONG), como por outros actores, nomeadamente o sector público e governamental, no contexto português e dos países parceiros. No entanto, em anos mais recentes, tem-se verificado um esforço para inverter esta tendência, com as organizações a dedicarem parte dos seus orçamentos a actividades de comunicação, seja a institucional, sejam iniciativas que promovam o empoderamento e a apropriação de processos por parte das comunidades envolvidas.
Os actores da Cooperação para o Desenvolvimento – ONG, instituições públicas, organizações internacionais e multilaterais – têm hoje ao seu dispor um conjunto muito diversificado de instrumentos de comunicação que lhes permite dirigirem-se directamente às comunidades envolvidas nas suas acções, sem intermediação. As redes sociais – como o Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outras – vieram alterar consideravelmente a relação de poder, de quem acede à opinião pública e através de que canais. Além disso, são amplamente utilizadas e estão optimizadas para diferentes geografias (nomeadamente para locais onde a velocidade de internet é mais lenta) e disponíveis mesmo para organizações mais pequenas com constrangimentos orçamentais. Permitem a partilha de informação rápida, além de possibilitarem também a interacção com os diferentes públicos, a sensibilização da opinião pública e reunir apoio para determinadas causas (petições, angariação de fundos, participação em determinados eventos, etc…).
Em S. Tomé e Príncipe, por exemplo, a taxa de penetração de conexões móveis registou 114 % em 2018, ou seja, cerca de 241,5 mil conexões (num total de população de 204 mil pessoas). Há mais 13 % de utilizadores do Facebook no país, em 2018, face ao ano anterior, de acordo com o relatório da WeAreSocial (2019). A par das redes sociais, as rádios, em particular as rádios comunitárias, assumem um papel de extrema importância, uma vez que têm uma taxa de penetração muito elevada, chegando até às comunidades mais remotas. No caso de S. Tomé e Príncipe, e partindo da nossa experiência, curiosamente a televisão é precedida pela rádio, que surge como o canal de comunicação e informação mais poderoso, e pelo Facebook, que surge neste quadro como um canal muito importante de disseminação.
Da alteração de comportamentos à mudança de políticas
A Comunicação para o Desenvolvimento, nomeadamente aquela realizado pelas ONG, serve, assim, vários propósitos – por um lado, tenciona ajudar a alterar comportamentos e, por outro, procura influenciar quem detém o poder, na alteração de políticas, sendo para isso necessário trabalhar em várias “frentes”. Mas como comunicar de forma eficaz? A estratégia deve passar por todos os momentos do ciclo de projecto, só desta forma se torna realmente eficaz e contribuiu para o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, as campanhas devem ser pensadas na sua globalidade, definindo um cronograma realista e com tarefas bem definidas (o que fazer, em que momento, para quem e por quem). Para isso, deve utilizar os diversos instrumentos, canais e abordagens que facilitem o diálogo, o envolvimento e a participação dos diferentes actores, sobretudo das comunidades onde intervém. Só desta forma – holística e integrada – é possível veicular as mensagens de forma robusta e eficaz.
A UNICEF, por exemplo, é uma das organizações que tem feito uma grande aposta na vertente da Comunicação para o Desenvolvimento. Recentemente, desenvolveu um modelo e construiu um quadro de análise para facilitar a recolha de dados nas fases de planeamento, implementação, monitorização e, por fim, na avaliação das suas iniciativas de comunicação. Para isso, dividiu a sua estratégia em quatro grandes eixos: a comunicação para a mudança de comportamentos, a comunicação para a mudança social, a mobilização social e a advocacy (UNICEF).
De acordo com o modelo desenvolvido, a comunicação para a mudança de comportamentos em como principal objectivo, e como a própria expressão indica, utilizar a comunicação para promover a alteração de hábitos, em sectores como a saúde e a educação, por exemplo, a partir de uma abordagem positiva a estes temas. É um processo interactivo, desenvolvido com mensagens pensadas para um público muito específico (uma comunidade, uma escola, uma aldeia), utilizando canais de comunicação adequados para provocar mudanças no conhecimento, nas atitudes e no comportamentos das pessoas.
Já a comunicação para a mudança social é um processo geralmente participativo de diálogo público e privado e de negociação que permite a diferentes grupos de pessoas expressar as suas necessidades e os seus direitos, e participar activamente para alterar o sistema social em vigor.
Por sua vez, a mobilização social procura envolver múltiplos parceiros a nível local e nacional para sensibilizar e reivindicar um determinado objectivo ou direito. É centrado nas pessoas e na forma como estas podem ser agentes da sua própria mudança, inclusiva na forma como o poder é distribuído dentro de instituições sociais e políticas.
Num último nível, os processos de advocacy tencionam promover alterações de políticas e leis já existentes, alterar as percepções públicas sobre determinada questão e influenciar as decisões de financiamento dos programas de desenvolvimento. Se bem desenhados, permitem transpor para os corredores de poder as vozes das pessoas e dos grupos mais vulneráveis ou excluídos.
Em termos globais, a comunicação de projectos e de programas deve ser pensada na sua globalidade, obedecendo a uma coerência gráfica (cores, tipos de letra, marca/símbolo que remetam imediatamente para o projecto), e realizada por profissionais qualificados para o efeito, em estreita articulação e diálogo com o gestor e técnicos do projecto e outros departamentos da organização. A aposta nas redes sociais, na era digital, é uma mais-valia para multiplicar públicos e por conferirem uma oportunidade única para interagir com os outros, embora não deva ser descurada também a interacção presencial e uma articulação com os media tradicionais, nomeadamente com os órgãos de comunicação social comunitários, locais e nacionais.
Há dois ingredientes-chave que não devem ser descurados neste processo: a criatividade e o conhecimento de causa. A montagem da estratégia de comunicação deve ser precedida de um diagnóstico de terreno que permita identificar as necessidades das populações, os principais públicos a que se destina o programa, os desafios e obstáculos à mudança e os potenciais aliados. A mensagem-chave deve ser sucinta, clara e facilmente compreendida por todos, sofrendo, se necessário, adaptações de acordo com o público a que se dirige. Também os canais e instrumentos de informação devem ser pensados de acordo com os diferentes públicos.
O caso do PNASE, em S. Tomé e Príncipe
Em S. Tomé e Príncipe, a No Land Produções 1 esteve envolvida na concepção e implementação da estratégia de comunicação o Programa Nacional de Alimentação e Saúde Escolar (PNASE), que se veio a tornar um programa de referência no país. O objectivo central do projecto, desenvolvido pelo Ministério da Educação, Cultura, Ciência e Comunicação e financiado pelo Programa Alimentar Mundial, é o de contribuir para a melhoria do estado nutricional das crianças e para o desenvolvimento sustentável de S. Tomé e Príncipe. Trata-se de um projecto ambicioso, que abrange quase um quarto da população do arquipélago e, por isso, a comunicação foi aqui um elemento fulcral para o sucesso da iniciativa e o seu reconhecimento junto da população.
Num primeiro momento, em articulação com as pessoas envolvidas no projecto, foi discutida a identidade visual do programa. Como criar uma imagem forte, facilmente identificável e que seja transversal a todos os instrumentos de comunicação? A construção do logotipo veio conferir essa unidade, integrando duas dimensões centrais do PNASE: a educação das crianças (presente no lápis) e a alimentação (na colher). O amarelo, alegre e enérgico, foi a cor adoptada e passou a estar presente nas diversas dimensões do programa na fachada do armazém de produtos alimentares do PNASE, nas viaturas, nos outdoors, procurando dar continuidade ao logotipo e coerência gráfica ao programa.
Além da imagem do programa, foi criado o hino do PNASE que deixou também a sua marca junto de professores, pais, crianças e de outras pessoas que tiveram contacto com a iniciativa. Para isso, foram envolvidos artistas locais e crianças abrangidas pelo programa, com letra a cargo da jornalista e poeta santomense Conceição de Deus Lima (letra) e arranjos de Guilherme de Carvalho, um músico santomense do Grupo Tempo. O refrão do hino passou a ecoar nas rádios, televisões, redes sociais e… na boca da população em geral.
Criada a imagem e o hino, a estratégia de comunicação passou ainda pela realização de cinco breves documentários informativos, que foram transmitidos na televisão nacional, sobre a importância da nutrição na infância, a construção das ementas asseguradas pelo programa, a educação alimentar e nutricional realizada através das hortas escolares, a sustentabilidade do PNASE e, por fim, a forma como o programa está organizado para garantir a refeição a 46.000 crianças em idade escolar. Todos os filmes começam com o hino do PNASE e os protagonistas são as próprias crianças e outras pessoas envolvidas, respeitando os padrões éticos de utilização das imagens.
Por fim, foi elaborado o Manual de Educação Alimentar e Nutricional através da Horta, como ferramenta de apoio na formação de professores, sendo também utilizado nas salas de aulas para nortear as acções de Educação Alimentar e Nutricional.
A par destes instrumentos de comunicação, o projecto não pôde passar ao lado das redes sociais, que assumem importância significativa no contexto santomense. A música, as notícias, os filmes, os spots, os cartazes, as publicações e os diversos eventos relacionados com o PNASE foram divulgados também no Facebook, que permitiu a sua penetração e acesso a outros públicos do programa.
Conclusão
A comunicação pode, de facto, ditar o sucesso ou o fracasso de programas de Desenvolvimento e não deve ser descurada. A realização de uma campanha de comunicação no PNASE, por exemplo, permitiu uma maior disseminação dos seus objectivos e um maior reconhecimento do seu papel enquanto promotor de uma alimentação equilibrada junto da população escolar.
O papel do comunicador – ou da equipa de comunicação – é traduzir para o quotidiano, para a vida do dia-a-dia das populações, matérias que podem, à partida, parecer complexas. Os processos de desenvolvimento, não sendo lineares e dado o seu pendor de longo prazo, são muitas vezes difíceis de comunicar. É, por isso, importante dialogar com os especialistas de comunicação desde o primeiro momento, integrando-os nas discussões do projecto e das diferentes actividades. Só desta forma é possível promover o envolvimento dos diferentes públicos e a apropriação dos processos.
Referências
Danyi, C. J. e Chaudhri, V. (2018), “Strategic Social Media Management for NGOs”, in J. Servacs (2018), Handbook of Communications for Development and Social Change, ed. Springer Nature Singapore
UNICEF (2017), UNICEF 2017 Report on Communication for Development (C4D), em https://www.unicef.org/publications/files/ UNICEF_2017_Report_on_Communication_for_Development_C4D.pdf
WeAreSocial (2019), Global Digital Report 2019, em https://wearesocial.com/global-digital-report-2019
Outros recursos
We are no land produções – PNASE
https://www.wearenoland.com/pnase
1 Mais informações em https://www.wearenoland.com/pnase