Terra e segurança alimentar no contexto da crise climática em moçambique

Mariam Abbas

Doutora em Estudos de Desenvolvimento, com enfoque em Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar, pelo Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal. É actualmente pesquisadora do Observatório do Meio Rural, Maputo - Moçambique. As áreas de pesquisa incluem mudanças climáticas, segurança alimentar, sistemas de produção, economia agrária e desenvolvimento rural.

Natacha Bruna

Doutora em Estudos de Desenvolvimento pelo International Institute of Social Studies em Haia, Holanda. É actualmente Directora Executiva e pesquisadora do Observatório do Meio Rural, em Maputo. As áreas de pesquisa incluem estudos agrários críticos, economia e ecologia política, com particular interesse em extractivismo, extractivismo verde, modelos de desenvolvimento rural, terra e políticas de mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Tanto o impacto directo das alterações climáticas como as implicações das políticas para solucioná-las moldam a subsistência rural, o acesso à terra
e a alimentos em Moçambique.

1. Introdução

Os países em desenvolvimento são considerados os mais vulneráveis às alterações climáticas e concentram cerca de 98% do total da população subnutrida no mundo (FAO et al., 2020). A maioria destas pessoas vive nas zonas rurais, tendo a agricultura como a sua principal fonte de rendimento e de subsistência, com uma elevada dependência dos recursos naturais (como acesso a terra, água, recursos florestais, entre outros), sendo, portanto, as que serão mais desproporcionalmente afectadas pelas alterações climáticas (FAO et al., 2020). Na última década, Moçambique foi sistematicamente atingido por eventos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes – 8 ciclones/ tempestades tropicais nos últimos quatro (4) anos (2019-2022), comparativamente a 13 em 52 anos (1956-2008) (Tadross et al., 2017) – com implicações negativas para a população rural e para o desenvolvimento rural. O seu impacto estende-se desde a diminuição da produção de alimentos e do acesso a alimentos e terras à deslocação interna das pessoas resultante dos eventos meteorológicos extremos em áreas de risco elevado, entre muitos outros.

A variabilidade e as catástrofes climáticas encontram-se entre as principais causas da insegurança alimentar, com as secas sendo uma das principais fontes de vulnerabilidade na maioria dos sistemas de produção na África Subsariana e em Moçambique, considerando que a agricultura é principalmente praticada em sistemas de sequeiro (Dixon, Gulliver e Gibbon, 2001; Marques et al., 2009). Dada a importância dos factores climáticos na escolha dos sistemas de produção, o facto de estes estarem sujeitos à alterações no tempo, irá posteriormente afectar as decisões dos agricultores sobre o tipo e a forma de produção (Abbas, 2022). É por isto que as políticas de adaptação são consideradas urgentes nas zonas rurais de Moçambique. Embora a mitigação destas alterações seja considerada urgente a um nível global.

Apesar das emissões de CO2 per capita de Moçambique serem das mais baixas no mundo e da África Subsariana, cerca de 0,1 toneladas face à média de 0,7 da África Subsariana, 0,8 dos países de baixo rendimento e 3,5 dos países de médio rendimento (The World Bank, 2007), as políticas amigas do ambiente são priorizadas e impostas pelas organizações internacionais. A combinação crucial da “necessidade de adaptação” e do potencial de biodiversidade do país torna-o num grande receptor de fundos climáticos (terceiro maior receptor de fundos climáticos na África Subsariana (CIAT e The World Bank, 2017)) e um destino estratégico para projectos de adaptação e mitigação das alterações climáticas.

Bruna (2021) apresenta três estudos de caso que demonstram como as políticas de adaptação e mitigação às alterações climáticas, concretamente REDD+ e CSA, têm implicações negativas na subsistência rural, incluindo a expropriação da terra sem compensação justa e adequada, acesso restrito aos recursos florestais, expropriação de recursos ecológicos, entre outros, tendo já sido alertado por vários estudiosos (Corbera, 2012; Corbera et al., 2017; Phelps et al., 2010).

Portanto, tanto o impacto directo das alterações climáticas como as implicações das políticas para solucioná-las (impactos indirectos das alterações climáticas) moldam a subsistência rural, o acesso à terra e a alimentos em Moçambique. Assim, este texto tem como objectivo dar a entender como a crise climática e as políticas para solucioná-la (mitigação e adaptação) moldam os direitos ao acesso aos alimentos e à terra e proporcionar conhecimentos para reflectir sobre a forma como poderá potencialmente moldar o desenvolvimento rural. Este texto foi baseado na pesquisa de Doutoramento de ambas as autoras (i.e., Bruna, 2021; Abbas, 2022) que recorreu maioritariamente a dados primários e secundários sobre as zonas rurais de Moçambique, os meios de subsistência rurais, e um conjunto de dados agrícolas e climáticos.

2. Emergência climática, uso da terra e segurança alimentar

As projecções climáticas indicam um esperado aumento na temperatura em África a um ritmo mais acelerado que a média global (Tadross et al., 2017). Em Moçambique é esperado um aumento entre 1,2ºC a 5,4ºC (no cenário mais optimista e pessimista, respectivamente) até 2100 (Abbas, 2022). As projecções da precipitação média em Moçambique não indicam mudanças substanciais a nível nacional no cenário mais optimista, contudo, no cenário mais severo prevê-se uma diminuição da precipitação ao longo da costa e nas regiões norte e centro do país (Abbas, 2022). Espera-se que as áreas mais húmidas sofram a redução mais acentuada dos níveis de precipitação e, devido a estas mudanças, é esperada uma expansão da aridez nas áreas actualmente húmidas, contribuindo para o aumento da desertificação no país (Abbas, 2022). Além disso, é esperado um aumento na ocorrência de eventos meteorológicos extremos, incluindo secas, cheias e ciclones (Tadross et al., 2017).

Estas alterações no clima, culminando num aumento da aridez pelo país inteiro (Abbas, 2022) juntamente com o aumento na frequência e intensidade dos eventos meteorológicos extremos (Tadross et al., 2017), vão influenciar de forma negativa a disponibilidade de água, o rendimento e produtividade das culturas (Brito and Holman, 2012), e a aptidão e uso das terras (Marques et al., 2009), influenciando a escolha dos sistemas de produção e a sua distribuição espacial (Abbas, 2022). É esperado que a maioria dos sistemas de produção em Moçambique sejam substituídos por outros devido às alterações climáticas, sendo esperada uma intensificação dos sistemas de produção que apresentam elevados níveis de insegurança alimentar, produzindo principalmente culturas alimentares básicas para o seu consumo (Abbas, 2022). Estas transições de sistemas produção podem implicar grandes mudanças quanto ao uso da terra, o conhecimento e investimento necessários para gerir os novos sistemas, colocando os agricultores sob pressão para mudança de um sistema de produção para outro (Abbas, 2022), com um impacto directo na subsistência rural, na produção agrícola e na segurança alimentar.

Lötter (2017) enfatiza o facto de que a África Austral poderá sofrer um declínio de até 50% na produtividade agrícola por volta de 2030 devido à escassez de água e à insuficiência de irrigação. Vários estudos confirmam uma diminuição esperada dos rendimentos de diversas culturas em África e, em particular, na região África Austral (Lobell et al., 2008; World Bank, 2010; Thornton et al., 2011; Knox et al., 2012). Em geral, as projecções mostram uma diminuição dos rendimentos das principais culturas alimentares e de rendimento em Moçambique (World Bank, 2010; Brito and Holman, 2012). Actualmente, a África Austral não está a produzir alimentos suficientes para satisfazer as necessidades da população (Lötter, 2017); e o mesmo se verifica em Moçambique (Abbas, 2017), o que será exacerbado pelas alterações climáticas.

3. As políticas de adaptação e mitigação às alterações climáticas e as implicações para a subsistência rural em Moçambique

As preocupações com o aquecimento global e a crise climática global actual surgiram há décadas e os seus impactos são cada vez mais visíveis. A última secção mostrou alguns dos impactos mais preocupantes da actual crise climática em Moçambique. É neste contexto que instituições como a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) e o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) têm procurado implementar políticas de adaptação e mitigação às alterações climáticas como a solução principal global para a crise e as directrizes bases para a redução das Emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE), especialmente em sectores como a agricultura e a indústria extractiva.

Adicionalmente, o Banco Mundial apelou por um mundo “climaticamente inteligente” através da implementação de políticas inteligentes ao clima; que são aquelas que melhoram o desenvolvimento, reduzem a vulnerabilidade, e financiam a transição para vias de crescimento de baixo nível em carbono (Banco Mundial, 2010). Como resultado, a economia global está a tornar-se mais “verde” em todas as fases do processo de produção. Consequentemente, surgiu uma série de investimentos/projectos chamados de “amigos do ambiente” que alegam estar abrangidos por estratégias de mitigação.

Dado este contexto, o governo de Moçambique recebeu cerca de 8,8 milhões de dólares para elaborar a estratégia nacional de REDD+ e os instrumentos legais/administrativos para a operacionalizar (MITADER, 2017). A estratégia REDD+ nacional moçambicana tem como objectivo “reduzir as emissões do desmatamento e degradação florestal, conservação das mesmas, gestão sustentável e aumento das reservas de carbono através de florestas plantadas” (MITADER, 2016) ao focar-se em três sectores principais: agricultura, florestas e energia. A maioria destas políticas é baseada na terra.

A estratégia REDD+ também integra mecanismos de adaptação às alterações climáticas tais como a promoção de práticas agrícolas sustentáveis de acordo com as técnicas “inteligentes ao clima” (MITADER, 2016). Tanto o Banco Mundial como a FAO, afirmam que “a CSA cumpre estas expectativas ao melhorar a produtividade, aumentar a resiliência e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa” (FAO, 2013: 357). Entre outras metas, a REDD+ também pretende promover o uso de energias alternativas, fortalecer a conservação das florestas e fazer cumprir a gestão sustentável das mesmas, incluindo a criação de um ambiente operacional favorável às empresas de plantações florestais (MITADER, 2016, 2017).

A estratégia nacional de Moçambique para as alterações climáticas (incluindo todas as políticas de adaptação e mitigação) está directamente relacionada com as políticas agrícolas públicas, altamente dependentes da terra e dos sistemas de mercado (especialmente os mercados internacionais, e o do carbono em particular). Portanto, para além do impacto directo das alterações climáticas – diminuição do rendimento das culturas alimentares e de rendimento, mudanças nos sistemas de produção, diminuição da adequação da terra para o seu uso actual, entre outros – o impacto indirecto das mesmas (através das políticas para as solucionar) também vai afectar a distribuição da terra e a segurança alimentar.

Estas e outras políticas públicas nacionais têm priorizado os objectivos ambientais, mas também se encontram directamente ligadas a interesses económicos. Uma grande preocupação quanto às soluções da crise climática está relacionada com as alterações climáticas fomentarem a criação de novos mercados, novos mecanismos de acumulação e novas estratégias de facilitação da apropriação dos meios de subsistência rurais (Bruna, 2021; Foster et al., 2010). No contexto dos debates sobre a apropriação das terras relacionados com os projectos ambientais, especificamente os projectos orientados para a conservação, Fairhead et al (2012) introduziram o conceito de “usurpação verde” e as suas implicações, que vão desde a prevenção de práticas de subsistência e do uso dos seus recursos até à restruturação das relações laborais (Fairhead et al. 2012; Seagle, 2012).

Foto cedida pelas autoras

No caso de Moçambique, estudos mostram que as políticas públicas dirigidas ao sector agrícola têm negligenciado os pequenos
agricultores e a produção alimentar para o mercado interno, focando-se
na produção de culturas alimentares e de rendimento para o mercado externo.

No caso de Moçambique, estudos mostram que as políticas públicas dirigidas ao sector agrícola têm negligenciado os pequenos agricultores e a produção alimentar para o mercado interno, focando-se na produção de culturas alimentares e de rendimento para o mercado externo (Abbas et al., 2021). Estas políticas, com impactos na distribuição de terras e na segurança alimentar, têm abordado os problemas climáticos e de segurança alimentar nos seus discursos, contudo, satisfazendo os interesses económicos privados e internacionais (Abbas et al., 2021). Por vezes, estas políticas podem não expropriar directamente as terras às pessoas, mas estão a expropriar o controlo das suas terras e a privá-las dos seus direitos de emissão de carbono; controlando o que produzir, como produzir e quanto produzir numa determinada área de forma a proteger o ambiente e reduzir as emissões, porém sem considerar as necessidades e prioridades locais (Bruna, 2021).

Por outro lado, surgem também cada vez mais debates a contestar a eficácia destas políticas. Hunsberger et al. (2017) resumem os riscos na concepção e implementação do REDD+: (1) o desrespeito pela opinião das comunidades rurais, não abordando as causas da desflorestação: (2) a perda de acesso e utilização dos recursos florestais pelas comunidades locais; o agravamento das desigualdades existentes, caso as elites se aproveitem dos benefícios esperados; (3) a redução da floresta a apenas um valor comercial, ao atribuir-lhe um preço; e (4) níveis de interesses não coincidentes entre os agentes: instituições internacionais, nacionais e locais.

Para além das críticas, já é possível observar projectos operacionais de adaptação e mitigação baseados na terra espalhados por zonas do país ricas em biodiversidade, com implicações já negativas para a subsistência rural. Estudos anteriores mostram que a experiência de implementação do REDD+ e da CSA em Moçambique demonstrou uma política com uma implementação insuficiente e ineficaz que estava a ser fundamentalmente usada como uma ferramenta para facilitar processos de apropriação de terras por uma corporação multinacional de plantação florestal em nome do desenvolvimento e sob discursos ambientais, mas com implicações negativas para a vida rural (Bruna, 2021).

Actualmente, espera-se que o uso de terras em Moçambique cumpra as metas climáticas de acordo com as soluções baseadas na terra para as alterações climáticas promovidas pela IPCC (2019) – quer seja pela alocação e fortalecimento das áreas de conservação (REDD+), implementação de investimentos “verdes” (plantações florestais) ou promoção de fontes de energia alternativas (produção de biocombustível). Isto implica um aumento da demanda de terras justificada pela luta contra as alterações climáticas, com impactos significativos nas comunidades rurais (Bruna, 2021; Mandamule e Bruna, 2017), considerando que a subsistência rural e, fundamentalmente, o desenvolvimento rural estão a ser moldados pela implementação das políticas de mitigação e adaptação. O país tornou-se alvo de uma vaga de investimentos “verdes” baseados em recursos naturais e terras e, paralelamente, o governo alocou cerca de 25% do território nacional (18,6 milhões de hectares) a áreas de conservação (MITADER, 2017).

Bruna (2021) analisou os impactos da implementação do REDD+ e da CSA nas zonas rurais de Moçambique através de três estudos de caso (Reserva Nacional Gilé, Parque Nacional do Limpopo e plantações florestais da Portucel Moçambique) e verificou, em geral, as seguintes implicações adversas para a subsistência rural: (1) a perda e/ou acesso restringido às terras e aos recursos florestais fundamentais para a subsistência rural, sem compensação adequada; (2) a implementação ineficaz do projecto de desenvolvimento da comunidade que pretendia minimizar os efeitos adversos da perda de acesso aos recursos florestais; (3) a diminuição da produção alimentar (à medida que as terras se tornavam menos disponíveis) e as ameaças à segurança alimentar; (4) em geral, a ruptura dos meios de subsistência rurais, a exclusão social e o aumento da pobreza localizada.

Uma tendência emergente de apropriação de recursos motivada pela luta contra as alterações climáticas é demonstrada nas zonas rurais de Moçambique. Com um total de mais de 80 milhões de hectares do território moçambicano, cerca de 7% é cultivado pelo sector familiar; contudo, são estas mesmas áreas às quais são alocados os investimentos verdes, bem como políticas de mitigação às alterações climáticas, tais como o REDD+, para projectos de conservação e reflorestação; promovendo a expropriação de terras, colocando o acesso às terras em risco e ameaçando a subsistência rural e a segurança alimentar. Em geral, verifica-se uma abordagem competitiva relativamente à terra no que se refere aos objectivos ambientais e sociais, uma vez que a subsistência rural está a ser afectada negativamente para a acomodação dos resultados climáticos desejados a nível internacional. Na maioria dos casos, o uso de terras tem se alterado, da produção alimentar de subsistência para a biodiversidade (áreas de conservação, reflorestação, entre outros) ou para investimentos verdes (plantação de árvores e produção de biocombustível). Resta determinar como é que a população rural irá conseguir garantir a sua subsistência (segurança e soberania alimentar) se as terras usadas estão a ser moldadas primariamente por objectivos ambientais (e económicos).

Foto cedida pelas autoras

Os sistemas de produção resilientes e localmente adaptados demonstraram
oferecer um conjunto de opções de adaptação que permitem a melhoria da
subsistência rural e da segurança alimentar num contexto de alterações climáticas.

Os resultados da implementação (e planos futuros para implementar) de soluções baseadas em terra para as alterações climáticas em Moçambique estão a transformar o uso da terra no país, isto é,  estão a transformar o território para uma utilização nacional da terra mais inteligente ao clima, de acordo com as directrizes do IPCC e considerando que a utilização das terras deve depender do resultado climático desejado (IPCC, 2019), mesmo com os já verificados riscos sociais elevados, particularmente para a população rural.

4. Observações finais: uso da terra inteligente ao clima e opções para sistemas de produção sustentáveis e desenvolvimento rural

A combinação dos impactos directos e indirectos das alterações climáticas traz consigo novas vagas de expropriação que afectam cada vez mais a subsistência rural. A vida rural vê-se assim ameaçada tanto pelo impacto directo da variabilidade e mudanças do clima como pelas políticas que procuram a adaptação e mitigação às alterações climáticas. De hoje em diante, o futuro dos pequenos produtores e da subsistência rural poderá ser altamente dependente do nexo carbono/lucro do capitalismo. Resumidamente, esta nova vaga de investimentos e projectos verdes, directamente ligados às preocupações com as alterações climáticas, está a expropriar cada vez mais a população rural e a fomentar a acumulação de capital justificada e legitimada pela luta contra as alterações climáticas. Todavia, é importante esclarecer que as políticas ambientais e os investimentos que vão para além da agenda das alterações climáticas, como, por exemplo, a economia circular e a economia verde, entre outros, podem também ser uma causa ou constituinte, em intersecção com a fronteira verde da acumulação.

Este texto sublinha a necessidade de repensar as soluções para a actual crise climática e esclarece o facto de que tanto os impactos directos como indirectos vão moldar o desenvolvimento rural nas próximas décadas nos países em desenvolvimento. Portanto, há a necessidade de pensar em soluções mais adequadas e socialmente sustentáveis e acções climáticas para mitigar e adaptar-se às alterações climáticas. Os sistemas de produção resilientes e localmente adaptados demonstraram oferecer um conjunto de opções de adaptação que permitem a melhoria da subsistência rural e da segurança alimentar num contexto de alterações climáticas (Dixon, Gulliver and Gibbon, 2001; Abbas, 2022).

Considerando os impactos (directos e indirectos) das alterações climáticas na mudança do uso das terras e na vida rural, é necessária uma gestão integrada dos recursos naturais, que inclua a diversificação dos sistemas de produção, a melhoria do capital natural e o desenvolvimento do conhecimento local e tradicional (Markwei et al., 2011; Abbas, 2022). Os sistemas de produção sustentáveis, incluindo os alimentos locais e tradicionais, bem como os seus ecossistemas de apoio, são a chave para melhorar a subsistência rural e também a segurança alimentar e nutricional (Markwei et al., 2011; Mohamed-Katerere and Smith, 2013; Vinceti et al., 2013). Por exemplo, os sistemas agro-florestais podem contribuir para a produção alimentar ao providenciar alimentos indígenas ricos em micronutrientes, fibras e proteínas; para o aumento do rendimento de algumas culturas, bem como a estabilização da produção agrícola em períodos de seca e a melhoria do uso da água pelas mesmas; também contribuem para o aumento do rendimento, através da produção de madeira menos prejudicial quando queimada e com maior valor energético; providenciam serviços de ecossistemas importantes, e, agem como redes de segurança em tempos de crise (Dewees, 2013; Jamnadass et al., 2013; Vicenti, et al., 2013).

As políticas agrícolas e de segurança alimentar devem considerar uma abordagem multissectorial dos sistemas de produção, uma tomada de decisão participativa, a integração de factores ecossistemáticos, comprometer-se a agir contra as alterações climáticas e reconhecer os recursos de fauna e flora selvagens; e para a sua eficácia, as políticas devem focar-se na resiliência alimentar através da diversidade, da infra-estrutura natural e da justiça social (Mohamed-Katerere and Smith, 2013; Abbas, 2022). Uma abordagem consciente dos ecossistemas à segurança alimentar pretende não só aliviar a fome a curto prazo, mas também construir a uma resiliência alimentar a longo prazo (Mohamed-Katerere and Smith, 2013:15).

Todavia, esta abordagem só tem valor se as políticas (incluindo políticas rurais, económicas, e, particularmente, políticas de adaptação e mitigação) forem concebidas de forma participativa para assegurar que as necessidades e prioridades locais são abordadas. Até agora, a maioria das políticas foi concebida do topo para baixo, respondendo principalmente aos objectivos internacionais no que se refere à crise climática, principalmente através de mecanismos liderados pelos mercados que acabam por prejudicar o desenvolvimento rural sustentável. Adicionalmente, existe a necessidade de incorporar debates sobre a justiça climática e as causas históricas da crise climática para que países como Moçambique, que não contribuíram de forma considerável para a actual crise climática, não sofram o seu impacto de forma injusta.

 

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Referências

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