Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão – um exemplo de biodiversidade e conservação na Guiné-Bissau

Aissa Regalla de Barros

Coordenadora do Departamento Conservação e Monitoria da Biodiversidade do Instituto
da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, Dr. Alfredo Simão da
Silva (IBAP). Bióloga de formação, com especialização em Biologia das Populações e dos Ecossistemas, pela Universidade
de Metz, França. É membro da Comissão da UICN para a Gestão dos Ecossistemas (CEM).

Face aos desafios globais, a Guiné-Bissau, país reconhecido pelo património natural de enorme relevo, conseguiu conservar de forma ‘natural’ patrimónios culturais e ambientais verdadeiramente notáveis, jogando assim um papel importante na conservação da biodiversidade global

A natureza está a degradar-se a um ritmo sem precedentes na história da humanidade e a taxa de extinção de espécies está em aceleração, particularmente nas próximas décadas, a um nível nunca antes visto. Esta constatação é uma das conclusões do último relatório científico da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), publicado em Maio de 2019. Trata-se do primeiro relatório do seu género, desenvolvido com base numa revisão sistemática de cerca de 15 000 referências científicas, fontes governamentais e conhecimento local, que aborda questões relativas aos povos indígenas e comunidades locais, fornece uma visão abrangente da relação entre as trajetórias de desenvolvimento económico e os seus impactos na natureza.

A tendência da perda da biodiversidade é acelerada e tem consequências incalculáveis ​​para a humanidade: destruindo a natureza, estamos a minar o alicerce fundamental que permite a nossa saúde e bem-estar, a água e o ar, nosso suprimento de alimentos e remédios, nossa prosperidade económica e progresso social, e, de fato, a nossa própria sobrevivência na Terra.

Face a estes desafios globais, a República da Guiné-Bissau, país reconhecido por albergar um património natural de enorme relevo a escala mundial, com uma grande variedade de espécies, fundamentalmente fauna e flora distribuídos em diferentes ecossistemas e habitats, conseguiu conservar de forma “natural” patrimónios culturais e ambientais verdadeiramente notáveis, jogando assim um papel importante na conservação da biodiversidade global. A problemática da conservação da biodiversidade é uma das prioridades do país, uma vez que a economia da Guiné-Bissau assenta em grande medida na exploração destes recursos.

Nesse sentido, foi estabelecido um Sistema Nacional de Áreas Protegidas – SNAP – que se destaca por ter um papel de importância crítica. Não só assegura ecossistemas saudáveis ​​e funcionais, que contribuem para preservar a diversidade biológica, mas fortalece igualmente a resiliência do ambiente e das comunidades humanas face a crise ecológica nomeadamente aos efeitos das mudanças climáticas, particularmente em áreas vulneráveis, ​​como nos territórios insulares.

O Sistema Nacional das Áreas Protegidas cobre atualmente 26,3% do território nacional. Dentre estes espaços protegidos da Guiné-Bissau encontram-se: a região de Bolama-Bijagós, reconhecida pela UNESCO, em 1996, uma Reserva da Biosfera que integra dois Parques Nacionais (Parque Nacional de Orango e Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão) e uma Área Marinha Protegida Comunitária (Área Marinha Protegida Comunitária das ilhas Urok). Para além destas áreas protegidas insulares o SNAP integra ainda o Parque Natural das Lagoas de Cufada, o Parque Natural de Cantanhez, o Parque Natural dos Tarrafes de Rio Cacheu e o Complexo de Áreas Protegidas Terrestres Dulombi-Boé-Tchétché.

O modelo de governação destes espaços baseia-se numa filosofia que se consubstanciam nos princípios “parques com a população e para a população”, de modo a permitir a conservação dos recursos naturais e uma gestão sustentada e participativa, visando beneficiar em primeiro lugar as comunidades mais próximas destes espaços de conciliação da conservação da biodiversidade e os propósitos de um desenvolvimento humano sustentável.

A Guiné-Bissau apresenta-se assim como um ponto capital, enquanto local de acolhimento (invernada e reprodução) para  muitas centenas de milhares de indivíduos aves aquáticas e marinhas migradoras, grande parte dos quais nidificantes na Europa ou no Ártico e para as tartarugas marinhas, cujas populações reprodutoras encontram nas praias do litoral do país sítios calmos, para a sua nidificação, especialmente as tartarugas-verdes e as tartarugas-olivas.

Neste rico panorama, o Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão – PNMJVP – parte do SNAP, tem sido, ao longo dos anos, um rico laboratório de desenvolvimento de processos de pesquisa e de produção de conhecimento que contribui para maior compreensão sobre as espécies, os seus habitats e comportamentos.

Situado na parte mais meri­dional do Arquipélago dos Bijagós, o PNMJVP, tem uma superfície de 49.500 hectares, destes quase 95% correspondem a áreas marinhas, sendo que os restantes cerca de 5% correspon­dem a terras permanentemente emersas.

Este parque marinho foi oficialmente criado por Decreto em 2000 (Decreto 6-A/2000) e inclui quatro ilhas principais, nomeadamente, João Vieira, Cavalos, Meio e Poilão e alguns pequenos ilhéus e bancos de areia. A pequena ilha de Poilão, com cerca de 2 km de extensão de praia, tem o estatuto de ilha sagrado pelas comunidades tradicionais. Trata-se da joia do Arquipélago dos Bijagós.

IBAP

O modelo de governação destes espaços baseia-se numa filosofia que se
consubstanciam nos princípios ‘parques com a população e para a população’, de modo a permitir a conservação dos recursos naturais e uma gestão sustentada e participativa

Os benefícios deste espaço de conservação prioritária, vão além-fronteiras, tendo sido reconhecido como Reserva da Biosfera em 1996, “Dom à Terra” (Gift to the Earth) em 2001, Zona Húmida de importância internacional em 2014 e atualmente está em curso o reconhecimento máximo, como Sítio de Património da Humanidade.

O símbolo principal do PNMJVP são as tartarugas-marinhas, tendo sido identificado como o maior local de reprodução de tartarugas-verdes Chelonia mydas do país, e da sub-região, entre as dez mais importantes a nível mundial. Ela recebe anualmente um espetáculo do mundo natural: milhares de gigantes tartarugas marinhas emergem do mar, para completarem o seu ciclo-de-vida com a postura dos ovos que serão a geração futura!

Com foco nesta espécie emblemática e/ou guarda-chuva, há vários anos, com o apoio de vários parceiros nacionais e internacionais, e com a participação das comunidades locais, tem-se realizado esforços no domínio da investigação científica sobre a biodiversidade rara e ameaçada, aumentando o conhecimento sobre o efetivo e a tendência populacional, a  ecologia, comportamento e migração, com o objetivo de proteger e monitorizar um dos principais valores da biodiversidade da Guiné-Bissau e as prioridades de conservação ao nível nacional e internacional, direcionada na produção e disponibilização de informações científicas, com o objectivo de apoiar no estabelecimento de prioridades de ação.

Com base em conhecimentos fiáveis e sólidos sobre os valores biológicos, ecológicos, culturais e socioeconómicos, mas também sobre as interações com as zonas circundantes e as ameaças, as áreas protegidas são geridas de forma eficiente e equitativa. Um dos desafios da gestão das áreas protegidas e das zonas de conservação é justamente garantir a disponibilização, valorização e atualização regular dos dados sobre as diferentes vertentes acima referidas, de forma a adaptar as medidas de gestão às constantes mudanças de contexto e aos desafios emergentes.

A investigação científica é um dos pilares fundamentais da gestão sustentável de espaços e recursos naturais e representa uma aposta do Governo da Guiné-Bissau para a governança ambiental. Com base nas informações recolhidas nas últimas duas décadas e na bibliografia existente, foi editado o livro “Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão – Biodiversidade e Conservação”, que procura, pela primeira vez, compilar o importante acervo de conhecimento adquirido sobre esta joia do Arquipélago dos Bijagós que é o Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão. Trata-se, portanto, um excelente exercício de capitalização e uma ferramenta essencial para melhorar a informações sobre a biodiversidade do Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão, as ameaças e perspetivas para a gestão eficaz desta área protegida.

Porque urge preservar este legado,  procura-se sistematizar experiências e trabalhos de campo realizados nesta área, bem como realçar a importância de criar mecanismos colaboração regionais e internacionais.

A ciência tem um papel fundamental, a construção de novas abordagens aplicadas à biologia da conservação tornou-se uma questão de extrema necessidade e urgência. A capacidade das instituições públicas e privadas depende da geração das informações científicas, assim como da adoção de protocolos que levem em conta o contexto sociopolítico, o elevado número de espécies tropicais e a necessidade de estabelecimento de metas objetivas de ação.

É importante definir estratégias nacionais para a conservação da biodiversidade ameaçada através de um processo inclusivo e participativo, integrando a contribuição de todos os atores envolvidos. E assim aumentar substancialmente os esforços para frear a extinção das espécies e a destruição dos seus habitats.

No livro agora editado, repartido em 14 capítulos, que abordam uma variedade de temáticas, apresenta-se de forma metodológica os valores ecológicos, biológicos, socioeconómicos e culturais, bem como as comunidades humanas do parque, mas também as principais ameaças que pesam sobre esta área protegida.

De forma geral, as pesquisas levadas a cabo no PNMJVP ao longo das últimas décadas contribuem de forma decisiva na consolidação da gestão ambiental do Parque e do país, com base em conhecimentos fiáveis e sólidos e são um importante contributo para a conservação do arquipélago dos Bijagós, um local icónico e prioritário na África Ocidental, em prol da promoção de bem-estar das suas comunidades através da promoção da visão de sustentabilidade em prol das gerações presentes e futuras.