Porque os artistas sonham, mas também criam projetos

Paulo Daio

Nasceu em Angola, em 1972, tendo-se formado em arquitectura pela Universidade Técnica de Lisboa, em 1988. Em 2002, estabelece-se em São Tomé, com o seu próprio gabinete de arquitectura, onde desde então trabalha com vários parceiros e está envolvido em diversos projectos. Desde sempre se interessou pelo desenvolvimento e pelas questões socioeconómicas do país, com especial atenção para a cultura e as artes.

“Na escola, e com o Kwame, aprendi que é possível acreditar nos sonhos”. É assim que Emerson, aluno do 3º ano do Ateliê M – Escola Informal de Artes Visuais de São Tomé, criada em 2018 pelo artista plástico santomense Kwame Sousa, me responde quando lhe pergunto qual a principal lição que retira dos últimos anos do curso. E, de facto, quando converso com estes jovens, num dia em que o Estado santomense volta novamente a decretar Estado de Calamidade no país, com tudo o que isso possa implicar social e economicamente num país já, por norma, em “estado de dificuldade”, não posso, também eu, deixar de acreditar no poder dos sonhos, ou dos projetos. Kwame Sousa, artista plástico santomense, 41 anos, com grande parte da sua carreira e reconhecimento alcançados internacionalmente, resolveu um dia voltar para o seu país e criar uma escola de artes.

Foto: Kwame Sousa

No início do ano de 2017, apresentava-me o buraco no terreno ao lado da casa do seu pai e contava-me que ali iria construir a sua Escola, argumentando sobre a não existência de uma formação na área das artes, uma formação contínua, estruturada, com acesso a diferentes e novos conteúdos, onde os alunos pudessem aprender, mas também ganhar espírito critico, onde se pudessem tornar artistas. Falava-me então que não era um homem de sonhos, mas sim de projetos. E o projeto tornou- se realidade, nasceu a única Escola de Artes Visuais atualmente em funcionamento em São Tomé e Príncipe.

São Tomé e Príncipe, um país cheio de potencialidades a nível artístico, com uma população jovem, detentora de uma especial apetência para as artes, quer estas se manifestem através da música, das artes plásticas, das artes visuais, das artes cénicas ou da literatura. Contudo, com uma enorme lacuna existente na formação na área cultural e artística, que acaba por bloquear o crescimento intelectual e criativo dos jovens, que se veem restringidos a um campo de conhecimento limitado, com escassas trocas de experiências e poucas oportunidades para explorar o seu potencial artístico, acabando, na maior parte das vezes, por desistir.

O Projeto Ateliê M – Escola Informal de Artes Visuais surge neste contexto, com base no entendimento do papel das artes visuais enquanto capital de desenvolvimento humano, socioeconómico, fonte de autoestima e de solidariedade, criando o sentido de pertença a uma identidade, o autoconhecimento, a liberdade de expressão e o diálogo cultural. Atualmente com nove alunos, sete dos quais a frequentar o último ano de formação, é notária a evolução destes jovens, os quais, com mais ou menos talento, agarraram a oportunidade e, ao longo dos últimos dois anos, construíram uma personalidade artística, mas também fortaleceram o seu sentimento de pertença a uma comunidade. Tornaram- -se cidadãos ativos e conscientes cultural e socialmente, demonstrando à comunidade onde estão inseridos o valor e a relevância da arte e da cultura. Não deixam de, humildemente, ressalvar todas as dificuldades com que se deparam, num país onde grande parte da população gere os seus rendimentos numa base diária, sem grande conhecimento, possibilidades ou perspetivas de apreciar ou adquirir obras de arte. Aliás, alguns deles falam mesmo nos outros planos, nas outras profissões, as que poderiam ter, caso isto da arte não dê resultado.

Foto: Kwame Sousa

Mas todos demonstram um orgulho imenso no seu percurso e na sua escola, sendo frequente a referência à autoestima. Percebemos claramente a evolução técnica destes jovens, que aprofundaram os seus conhecimentos nas diferentes áreas das artes plásticas, conhecem a obra de vários artistas internacionais, que me falam com naturalidade do seu percurso, do seu traço e estilo enquanto artistas, das exposições em que gostariam de participar, dos projetos futuros, das formações que ainda querem realizar.

Na exposição dos trabalhos de final de ano, do 2º ano do curso, alguém comentava que nos encontrávamos perante a nova geração de artistas santomenses. O mentor e professor da escola, Kwame Sousa, chamou a esta exposição “Novas Centralidades”. O centro e o fervilhar de uma nova corrente cultural e artística em São Tomé, com artistas mais conscientes, abertos para o mundo, mas sem nunca se esquecerem das raízes que os envolvem, do contexto de onde são oriundos, expresso de forma tão nítida e particular nas suas obras. Uma nova geração de artistas com capacidade de sonhar, mas também de criar projetos. Ocupado, desta vez, na periferia de Roma, onde durante a pandemia foram organizadas ações de apoio alimentar.

 

Foto: Kwame Sousa

Na base das relações criadas durante a pandemia que as levaram a assistir a alguns espetáculos no Esquilino, as mulheres decidiram inscrever os seus filhos na escola Di Donato e integrar também o grupo, que já se constituiu como Gruppo di Teatro della scuola Di Donato. Todas as ações são ainda realizadas ao ar livre, em lugares como o pequeno parque de via Statilia, onde teve lugar um laboratório cujo tema central, inspirado numa lenda tradicional, foi o da hospitalidade. Ver as mães etíopes contar esta estória às crianças italianas tem vindo a criar um interessante círculo virtuoso entre os que habitam o mesmo território e que se preparam, também assim, para partilhar os mesmos direitos.