Quando os mega-projectos empurram a população à miséria

Armando Nhantumbo

Mestrando em jornalismo e media digitais. Jornalista há 10 anos, trabalha actualmente no SAVANA, o semanário privado mais antigo e um dos mais prestigiados, em Moçambique. Escreve sobre extractivismo de recursos minerais e hidrocarbonetos. Três dos sete prémios de jornalismo que possui são sobre tributação na exploração de minerais. Tem acompanhado o conflito no norte do país, escrevendo em média um artigo por semana.

Nordino Timba, 43 anos, é natural e residente de Moatize, um distrito moçambicano rico de carvão. Quando a Vale iniciou as suas operações, em 2007, naquele distrito da província de Tete, parte central de Moçambique, Nordino era um homem cheio de expectativas, não fossem aliciantes as promessas da empresa de capitais brasileiros. Mas depois de tudo o que viveu, durante 15 anos, hoje Nordino não podia estar menos nostálgico com a saída da Vale, no fim de um ciclo de produção de energias fósseis.

Foto do Jornal Savana

No dia 25 de Abril, a Vale concluiu o processo de transmissão da operação de Moatize e do Corredor Logístico de Nacala para a indiana Vulcan Resources. A saída da Vale não deixa saudades para a população. Pelo contrário, deixa um turbilhão de lamentações de um povo que se sente enganado e marginalizado na exploração de carvão. As expectativas populares com a chegada da multinacional não passaram disso mesmo: expectativas.

A empresa deixa famílias desenraizadas e até desestruturadas por causa de deslocações forçadas, além da destruição de ecossistemas e meios de subsistência das comunidades. Quando a empresa sai, dezenas de pessoas ainda aguardam reassentamento, agora com um futuro ainda mais incerto.

O que os nativos mais ganharam foram as poeiras que lhes pintaram as casas e lhes causaram graves doenças respiratórias, as rachas que lhes ameaçam ruir as casas, além de montes de areia e dos buracos abertos durante a mineração.

O caso da Vale é o retrato fiel dos grandes investimentos, em Moçambique, que têm estado a empobrecer a população, enquanto as elites políticas enriquecem em alianças com grandes empresas que, por sua vez, ficam com aval para atropelar a legislação e violar os direitos das comunidades, com impunidade garantida.

“Há poeira até dentro de casa”

Nordino Timba é uma das vítimas desse modelo extractivista pouco preocupado com o bem-estar das comunidades locais. Quando lhe peço para falar da saída da Vale, Nordino começa por dizer que está confuso porque a empresa ainda tem pendentes com a comunidade. De resto, diz que não viu benefícios dos 15 anos em que a empresa esteve a operar em Moatize.

 

Foto do Jornal Savana

Pelo contrário, foram prejuízos atrás de prejuízos. Nordino é uma das pessoas que ainda aguardam por “reassentamento”, palavra suave para falar do drama das deslocações forçadas das comunidades. Vive no bairro Primeiro de Maio, a cerca de 500 metros da mina da Vale, o que o torna numa das principais vítimas das operações mineiras. “Gostaria de ser reassentado”, é o seu pedido de há mais de uma década, nunca atendido pela Vale, até que a empresa partiu.

Nordino era oleiro desde 1998, mas, com a chegada da Vale, teve de parar porque a terra onde desenvolvia as suas actividades foi-lhe arrancada. O homem que antes conseguia rendimentos anuais na ordem de 600 mil meticais graças ao fabrico de tijolo queimado, hoje é desempregado, o que tornou difícil sustentar um agregado familiar de seis pessoas, 4 filhos e esposa.

As explosões de dinamites, usados pela Vale, no processo de mineração, deixaram a casa de Nordino, tipo 3, com uma “racha grande” – como lhe chama – tal como as demais casas de Moatize. “As casas estão a cair”, lamenta.

As detonações da Vale, nas suas minas a céu aberto – o que é contrário às melhores práticas no sector – também espalharam poeira por Moatize. Outras poeiras são expelidas pelo manuseamento de carvão nos dois Portos Secos de Motize, o da Vale e outro da Jindal, a empresa indiana que também explora minérios em Tete.

Nordino confirma estar tudo empoeirado:“Há poeira até dentro de casa”, enfatiza, sem exageros, ele que vive numa terra em que nenhuma cor sobrevive ao castanho da poeira. Sem alternativas, até os alimentos, “só lavarmos para minimizar”, as poeiras, explica.

Por isso, além das rachas na casa, Nordino também ganhou, da Vale, uma tosse que não lhe larga. “Temos doenças respiratórias que não tínhamos antes da chegada da Vale”, queixa-se. É com nostalgia que lembra que, “antigamente, vivíamos bem, mas, agora, estamos mal, vivemos com problemas há 15 anos”.

O activismo de Nordino pelo respeito das comunidades abrangidas pelas operações da Vale custou-lhe prisão, sob o epíteto de ser instigador de revolta popular contra a empresa. A sua prisão, pela polícia moçambicana, foi patrocinada pelo próprio Governo distrital. “O Governo põe mão à frente da Vale”, observa.

A história de Nordino Timba não é só sua. É a de dezenas de outras vítimas de mega-projectos que empurram as populações à pobreza, enquanto enriquecem as elites ligadas ao partido que governa o país desde a independência de 1975.